22 October 2019

ROSA DOS VENTOS


Elaha Soroor estava num beco sem saída. Filha de exilados afegãos no Irão que só haviam regressado ao seu país quando o regime taliban, em 2001, foi derrotado, a atmosfera social e política que lá se vivia continuava a ser muito longe de ideal. Participante, em 2009, no programa televisivo de "descoberta de talentos”, “Afghan Star” - equivalente local do "Ídolos" - , rapidamente se tornaria alvo de várias e perigosas discriminações: enquanto mulher e cantora (uma condição moralmente intolerável aos olhos dos muçulmanos mais implacavelmente severos e da própria família) e como elemento da etnia Hazara, historicamente celebrada pela música e poesia mas, nem por isso, menos estigmatizada e perseguida. Após a publicação de "Sangsar", uma canção que denunciava a prática selvagem do apedrejamento das mulheres, as ameaças de morte escalaram e, com 18 anos, não teve outra solução a não ser a fuga de casa, acompanhada pela irmã. “Ninguém alugava um apartamento ou um quarto a uma mulher sozinha e, se me reconhecessem, seria obrigada a partir imediatamente. Acabei por ter de cortar o cabelo, usar roupas masculinas largas e fingir ser um rapaz. Durante algum tempo o truque resultou e podia caminhar livremente na rua. Foi muito bom desfrutar dessa liberdade. Mas vivia no medo constante de ser morta. Decidi que tinha de abandonar o Afeganistão: para salvar a vida e poder explorar a música”



O destino foi o Reino Unido onde se cruzaria com Al MacSween (teclista) e Giuliano Modarelli (guitarrista), aliás, Kefaya, antena permanentemente sintonizada nas “músicas do mundo”, no jazz, rock, electrónica e "dub", núcleo de “um grupo eclético de imigrantes” confessadamente alimentado por Angela Davis, Edward Said, Ken Loach, Frida Kahlo e Karl Marx, em frontal oposição às “grilhetas dos nacionalismos que pretendem confinar-nos dentro de fronteiras, 'checkpoints' e muros”. O resultado desse encontro foi o formidável Songs of Our Mothers, lugar de explosão de uma colecção de canções tradicionais afegãs onde, às belíssimas contribuições de Elaha, MacSween e Modarelli, se junta uma admirável rosa dos ventos sonora constituída por Manos Achalinotopolous (clarinete), Yazz Ahmed (fliscorne), Sarathy Korwar (tabla/dolak), Tamar Osborn (sax barítono), Sardor Mirzakhojaev (dambura), Gurdain Singh Rayatt (tabla), Jyotsna Srikanth (violino), Camilo Tirado (live electronics) e Sam Vicary (contrabaixo e baixo eléctrico), dedicada a “desmantelar todos os estereótipos de género, nacionalidade, raça, e estilo musical”.

2 comments:

Music lover said...

Já está na minha wish list.

João Lisboa said...

:-)