07 October 2019

ESQUERDA

  
Eddie Zinn, judeu austro-húngaro, conheceu Jenny Rabinowitz, judia siberiana de Irkutsk, na fábrica onde ambos, imigrantes nos EUA, trabalhavam. Mal o filho, Howard, entrou para a escola, cêntimo a cêntimo, juntaram o necessário para lhe oferecerem os 20 volumes das obras de Charles Dickens. A semente iria germinar e Howard Zinn que, após concluir o ensino secundário, trabalharia como estivador, só terminada a segunda guerra mundial haveria de se licenciar em História. Foi a participação na guerra e, em particular, no bombardeamento criminosamente desnecessário de civis em Royan, que o conduziu ao pacifismo e à oposição militante às guerras no Vietname e no Iraque, à luta contra a ocupação da Palestina e pelos direitos cívicos dos negros. Mas seria A People’s History of the United States (1980) – a História contada sob o ponto de vista dos povos indígenas, dos escravos, dos trabalhadores, das minorias raciais, das mulheres e da luta de todos eles contra o poder – que, de apenas “something of an anarchist, something of a socialist, maybe a democratic socialist”, transformaria o professor da universidade de Boston no mais notável representante dos que narram a História “vista de baixo e não de cima”



Quarenta anos depois, os Gauche, uma banda oriunda da vibrante e politizada cena de Washington DC, intitularam o álbum de estreia A People’s History of Gauche. Não por acaso: “Desde a adolescência, simpatizei com a esquerda e com políticas radicais e o livro de Zinn era um texto seminal para muitos dos meus colegas. Mas, curiosamente, embora sempre o tivesse na lista de obras a ler, só o fiz quando procurávamos um título para o álbum. E pareceu-nos soar muito bem”, diz Daniele Yandel que, com Mary Jane Regalado, Adrienne CN Berry, Jason P. Barnett, Pearie Sol e Laurie Spector, constitui o grupo que, no nome, associa os conceitos de “esquerda” e “desajeitado”, coisa próxima do sentido original de “punk”. Em rigor, remetendo mais para o pós-punk radical e feminista – Slits, Raincoats, Delta 5, Bush Tetras, X-Ray Spex, ESG –, filão ainda rico de minério por extrair. Incluindo cinco canções regravadas de uma primordial cassete de apresentação (Get Away With Gauche, 2015) e seis novas, é um colorido carrocel de agit-prop (“Income, always think about payday, always waiting on wages, always think about systems”) e denúncia (“They see you on all kinds of screens, they want you not to disagree, they scan you for diseases”) vertiginosamente irado e dançável.

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