29 March 2009

OBRIGADO, DIVINDADE FELINA!



Alela Diane - To Be Still




Headless Heroes - The Silence Of Love

Eu já tinha obrigação de saber que a suposta sageza contida nos provérbios populares não possui, propriamente, valor científico. Mas, porque estas coisas se infiltram desde o biberão e continuam a actuar subliminarmente, desta vez, por pouco me ia deixando rasteirar por um dos clássicos do género, o universalmente repetido “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”. Há que conceder a atenuante de que as circunstâncias eram favoráveis ao tropeção: jovem singer-songwriter, natural de Nevada City, como Joanna Newsom, e coberta de louvores por Joanna Newsom, caminha a passos largos para a santidade "freak-folk" à custa de um álbum criado numa cabana de montanha, em Portland, na companhia de um gato. Se acabei por escutar o disco e este texto foi escrito, só pode ter sido por causa do gato, já que, pelas restantes personagens e contornos da história, o evitei cuidadosamente durante dias.


Obrigado, divindade felina: To Be Still é uma belíssima colecção de canções e, ou muito me engano, ou Alela Diane Menig rapidamente deixará na merecidíssima sombra a seita "hippy/psych" do pé descalço. Espreitem-na, no Youtube, nos três clips da série “Concerts à Emporter” de La Blogotheque – cada vez mais um lugar de atribuição de credibilidade indie através do reconhecimento “intelectual” europeu –, vagueando, de guitarra na mão, entre as pedras de Notre-Dame e a Place St. Michel. Já que aí estão, procurem também “The Rifle” (cenário de assombração flannery o'connoriana genuinamente "old weird America") e “The Pirate’s Gospel” (“While some folks pray their path to Jesus, we're gonna sing the pirate's gospel” em atmosfera de mar e trevas noturnas), do álbum anterior.



Podem, agora, passar a To Be Still e descobrir uma legítima descendente de (peso cada palavra) Sandy Denny e – muito mais obliquamente – Nico, algures, numa bissectriz mais contemporânea, entre Nina Nastasia, Kristin Hersh e Neko Case, mas (levando a utilidade do "name-dropping" às últimas consequências) com aquele teor de anacrónica excentricidade que Jolie Holland e Jesca Hoop terão de passar a partilhar com ela. No DVD que acompanha o disco, em concerto de Novembro do ano passado no Olympia de Paris, entre banjos, guitarras e bandolins, podemos, por outro lado, descobrir a personalidade de quem, em cima de um palco, parece estar com o mesmo à vontade que no alpendre do tal refúgio de Portland.



Etapa seguinte: The Silence Of Love, álbum de versões produzido por Eddie Bezalel a que Alela empresta a voz e, na companhia de gente com currículo ao lado dos R.E.M., Beck ou Red Hot Chili Peppers, reinventa temas de Nick Cave, Jesus & Mary Chain, Linda Perhacs ou Jackson C. Frank. Nos melhores momentos (“True Love Will Find You In The End”, “Just Like Honey”, “Nobody’s Baby Now”), dir-se-ia Karen Dalton a bordo dos Mazzy Star; nos outros, poderá não se voar tão alto mas também nunca há danos irreversíveis a registar. E, caso os houvesse, Alela Diane seria sempre mui justamente absolvida.

(2009)

5 comments:

Ricardo Thompson said...

Li a(s) crítica(s), espreitei o disco na FNAC e comprei.
O disco é bom e a moçoila tem uma belíssima voz.
Mas qualquer comparação com a Sandy Denny parece-me um excesso. Pesa lá outra vez as palavras.

João Lisboa said...

Isso é porque um Ricardo Thompson só pode ter uma relação muito próxima com a Sandra Dinis...

Ricardo Dinis Thompson said...

Indeed... Mas, confessa lá, tu também tens um fraquinho pela moçoila.

João Lisboa said...

My leaps are sealed.

João said...

Para tirar dúvidas
23 de Maio em Torres Novas
39°28'46.38"N
8°32'7.62"W