30 September 2023

"Heavily persecuted, highly influential: China’s online feminist revolution"


(com a colaboração do correspondente do PdC em Pequim)
 GEOMETRIA COLORIDA
 
 
Os pitagóricos afirmavam que "os olhos foram formados para a astronomia, os ouvidos moldados para a harmonia, e estas ciências são irmãs". Goethe declarava que "a arquitectura é música petrificada" e o crítico literário Walter Pater defendia que "todas as artes aspiram à condição da música". Mas foi o pintor e teórico russo Wassily Kandinsky quem qualificou a música como "a mestra suprema", explicando, em Do Espiritual na Arte (1910), que "as cores são um teclado. A alma é o piano com as suas muitas cordas. O artista é a mão que coloca a alma em vibração através de uma ou outra corda. Um pintor que não se satisfaça com a mera representação no anseio de exprimir a sua vida interior não pode senão invejar a facilidade com que a música, a mais imaterial das artes actuais, concretiza esse objectivo. Naturalmente, procurará aplicar os métodos da música à sua arte". Duas décadas mais tarde, pintaria Decisive Pink que não por acaso, Angel Deradoorian (ex-Dirty Projectors) e a experimentalista pop moscovita Kate Shilonosova, (aliás, Kate NV), quase um século depois, tomariam de empréstimo como nome para o duo. (daqui; segue para aqui)
 

26 September 2023

Mais um marxista tendência Groucho ("O partido terá que pensar se quer manter a ideologia")

 "Heat!"
 
(sequência daqui) Se RPG não quebrar esse reflexo condicionado, nada o fará: de manobras de corte e costura sobre "field recordings" a "samples" de farrapos de diálogos, "loops" vocais, alusões a jogos de vídeo, exercícios de "cadavre exquis" e ressuscitações corais de relíquias em Middle English do século XIII, o autoconfessado "mish-mash of sounds and influences, from folk to electronic, ambient, jazz and art-pop", na companhia dos sopros de Faye MacCalman e do contrabaixo de John Pope, conduziu-a a lugares que Meredith Monk, Julia Holter, Modern Nature ou This Is The Kit não tiveram ainda oportunidade de desbravar. Um maravilhoso delírio partilhado que tanto pode emergir do contacto com outras formas de arte como da "leitura da História, da visão de uma paisagem ou de um ruído fortuito, de passagem".

25 September 2023

Big Brother is watching you
 
Mais um óptimo "case study" para ajudar a compreender que "esquerda" e "direita" ou já não significam nada ou referem-se a ideias e conceitos muito diferentes daqueles que durante séculos nos serviram de bússola

24 September 2023

POR FAVOR, NÃO PANTEONEM O EÇA! 

"T. aconselhou, então, que se forrassem as paredes com pele humana: um outro achou ostentosa a pele humana, e disse, beatificamente, que, como mais modesta e mais duradoura lhe parecia preferível a pele catedrática. Outro instou para que se forrasse o quarto com as folhas dos compêndios: eu opus-me severamente a isso, dando as mesmas dolorosas razões que daria um preso se lhe quisessem forrar as paredes da enxovia com um tecido feito dos seus próprios remorsos"

Carta a Carlos Mayer 

A passagem em epígrafe indicia, de maneira inequívoca, que, para o grande poeta satírico que foi Eça, não havia limites para o atrevimento da sua língua mordaz. Desde afirmar, em certo momento de indignação, que a bandeira portuguesa, em vez de cinco quinas, devia ter cinco nódoas, até pedir a Ramalho Ortigão que fizesse desbocada chantagem com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrade Corvo, pedindo-lhe que lhe pagasse (a ele, Eça), se não quisesse que este publicasse um romance que deixaria a reputação de Portugal pelas ruas da amargura – valia tudo. Sem excluir que disse, em carta a Pinheiro Chagas, que “o nosso império no Oriente fora um monumento de ignomínia.” A vigorosa defesa que fez, em Cuba, dos trabalhadores chineses oriundos de Macau, miseravelmente exploradas pelos cubanos, fê-lo em termos que os diplomatas não costumam afagar. Livros como A Relíquia, ou A Capital ou O Conde de Abranhos ou O Crime do Padre Amaro, não costumam ser currículo academizável ou panteonável. Eça era destemidamente atrevido e a sua graça reguila era um dos seus irresistíveis encantos. Este impenitente Gavroche que sempre suscitou admirações de gente de paladar linguístico apurado, mas nunca o “entusiasmo” de multidões, merece, como ninguém, que o deixem fora das pompas solenes de um cortejo panteónico. Eça foi sempre um “gamin” de alto gabarito: deixem, pois, continuar a sê-lo, à revelia das recomendações “catedráticas” daqueles cuja pele serviria bem para forrar as paredes de um quarto, mas para pouco mais. Eça de Queiroz e a pompa não são miscíveis. Quem não compreendeu isto não compreendeu nada da sua obra. Podem ter escrito muito sobre vele, mas não escreveram, de modo nenhum, SOBRE ELE PROFUNDO. Ponham-se agora a catar nos textos, a ver se ele, em algum lado, disse ou não disse, explicitamente, que quereria ir ou não ir para o Panteão. Não hão de ir longe. Não é aí que se encontra a resposta. 

Eugénio Lisboa (sequência daqui)

23 September 2023

 UM RUÍDO FORTUITO
 

Jayne Dent (aliás, Me Lost Me) deveria ser mais cautelosa na forma como revela detalhes da sua biografia. Porque, a partir do momento em que contou como cresceu a escutar música folk ("À excepção de um curto período de rebelião adolescente quando descobri o punk e o metal e decidi que odiava a folk, ia, frequentemente, com os meus pais a concertos e festivais folk. Vivi sempre rodeada de instrumentos musicais estranhos - o meu pai tocava vários, a concertina em particular - e de Morris dancers. Adoro as características melódicas, o ritmo, a total ausência de pretensiosismo e a forma como tudo isso pode ser divertido, estranho, sombrio e belo"), nunca mais impediria que esse carimbo a perseguisse. Por muito que se tenha esforçado por contextualizar o modo como, entre múltiplas outras refências isso determinaria o rumo da sua música futura ("Dei por mim a imaginar como, contadas no futuro, essas histórias tradicionais seriam. Não apenas os grandes mitos mas também as pequenas histórias"), até hoje, seria sempre arrumada na secção "folk" da imprensa musical. (daqui; segue para aqui)

"Eye Witness"

20 September 2023


 

"Messenger Birds" (álbum integral aqui)

(sequência daqui) Por essa altura, na verdade, as duas meninas ainda adolescentes, já se haviam irremediavelmente extraviado do caminho da salvação e iriam travando conhecimento com diversos enviados das forças do mal: o belíssimamente discreto guitarrista David Williams, o baixo sinuosamente melódico de Frank Boylan e a inventividade rítmica do baterista Will Murray. Em conjunto, descobririam afinidades com os melhores da colheita da época: Sandy Denny/Fotheringay (em "Messenger Birds"), Steeleye Span (em "Dan The Wing"), Pentangle (em "Break Your Token"), Fairport Convention ainda seriamente contaminados pelos Jefferson Airplane (em "The Poet And The Witch" e "Lonely Man") e, de um modo geral, todas as mais cristalinas águas da corrente folk-rock convergiriam para Swaddling Songs (1972). Exemplar único - e, por isso, ainda mais precioso - de uma via que se manteria para sempre aberta.

19 September 2023

17 September 2023

Evidentemente! E, se lhe tivesse saído um "És boa comómilho!", era, sem a menor dúvida, um incentivo à exportação de cereais portugueses

SEM VÉUS NOS OLHOS

Aparentemente, a atmosfera na Holy Child Convent School, de Dublin, não era tão aterradora como a das masmorras católicas sob o disfarce de orfanatos (em actividade por toda a Irlanda) dirigidas pelas Sisters Of Mercy, sobre as quais Joni Mitchell escreveu e cantou a arrepiante "The Magdalene Laundries". Mas, ainda assim, recorda Clodagh Simmonds, quando ela e Alison O'Donnel foram convocadas a comparecer perante a autoridade do colégio a propósito das actividades musicais a que se dedicavam - advertiram-nas de que a vida não é um sonho e a sabedoria apenas pode ser alcançada com a passagem dos anos e a obediência às regras -, a resposta a isso só viria mais tarde na forma de uma das canções ("Reverend Sisters") que incluiriam no primeiro e único álbum dos Mellow Candle: "All your words and teachings left some imprint on my memory, though I'm sad it had to be this way, as you said we change with every day, Reverend Sisters though I hate to say it, now the veils are lifted from my eyes and I can see". (daqui; segue para aqui)

15 September 2023

Maravilhoso e destemido exemplo de conspiracionismo psicótico sci-fi no qual se denuncia como a Hollywood satânica e pedófila domina o mundo e James Bond era um agente da CIA
"Powderfinger" (álbum integral aqui)
 
(sequência daqui) Caso verdadeiramente sério, porém, é o de Neil Young: possuidor de um desmedido acervo de gravações inéditas, de estúdio e ao vivo (uma visita aos seus Archives será instantaneamente esclarecedora), muitas, desde há muito, circulando em modo corsário e, posteriormente, "oficializadas" ou não, de vez em quando, surgem enigmas e mistérios que, só à lupa se esclarece. Chrome Dreams é um exemplo típico: aludindo a um lendário homónimo de 1977 que seria preterido a favor de American Stars 'N Bars, em 2007, surgiria Chrome Dreams II, afinal a "sequela" com trinta anos de atraso de um álbum nunca publicado, constituída por temas dispersos excluídos de vários álbuns publicados (ou não) mas que, desde há bastantes anos, figuravam noutros “bootlegs” e “setlists” de concertos, acrescido de uns quantos originais recentes. Do original, não restava um único tema. É, agora, então, o momento para conhecermos o Chrome Dreams primordial. Segundo Young, estas 12 canções "poderão ter existido sob outras formas, noutros tempos, e isso faz parte do processo criativo". Notar o "poderão". E screscenta-se no site: "Esta edição que agora acontece é exactamente como Neil Young a entende e transporta um sentido de monumentalidade que lhe assegura um lugar na história". A verdade é que, sob as mais diversas formas já as conhecíamos todas, de Rust Never Sleeps, American Stars'N'Bars, Homegrown, Freedom, Hawks & Doves, Unplugged, e Comes A Time. Nada que perturbe Young. Como ele diz, "Trabalho para a minha musa. Começamos um álbum e as coisas correm umas vezes melhor, outras pior. Nunca posso dizer que tenha uma ideia exacta do que se vai passar. Muitas vezes, não há uma boa razão para um disco ter ficado perdido pelo caminho. Gravei-o, passou por mim, alguma coisa me distraíu e esqueci-me do que tinha estado a fazer antes. Acontece-me muito isso”.

12 September 2023

Hack-Poets Guild - Blackletter Garland

(daqui; álbum integral aqui)

Apesar de recitar a cartilha certinha, por não ter, aparentemente, pedido autorização aos chefes, a direcção da micro-seita social-fascista uiva nada ter a ver com o assunto e que as declarações do músico da Brigada Victor Jara "só responsabilizam o próprio"

11 September 2023


Captain Beefheart - Bat Chain Puller (na íntegra)
 
(sequência daqui) Mas também My Squelchy Life (1991), de Brian Eno (gravado e com cópias enviadas para a imprensa, acabaria substituido, à última hora, por Nerve Net, 1992, que ele descreveria como "uma jam session entre Booker T & The MGs e Iannis Xenakis numa 'warehouse rave'"); The New My Bloody Valentine Album (a longa espera que se seguiu a Isn't Anything (1988) e Loveless (1991), apenas em 2013 terminaria com mbv, "uma avassaladora experiência de sufocação por uma tempestade de areia no interior de um salão de ópio"); Electric Nebraska, de Bruce Springsteen (gravado originalmente com a E-Street Band, em 1982, Nebraska acabaria por ser publicado na versão acústica inicial das "demo tapes" que Springsteen preferiu à interpretação eléctrica); Bat Chain Puller, de Captain Beefheart (as proverbiais complicações contratuais impediram a publicação deste álbum de 1976, de Don Van Vliet; só dois anos depois, reapareceriam algumas faixas integradas em Shiny Beast); Stampede (1967), dos Buffalo Springfield (alegadamente concebido como segundo álbum da banda de Stephen Stills e Neil Young, os conflitos internos levaram a que fosse posto de lado e substituído por Buffalo Springfield Again); e o imenso legado, real ou imaginário, de Paddy McAloon, a solo ou com os Prefab Sprout (inclui, pelo menos, oito álbuns completos, duas óperas – Michael Jackson - Behind The Veil, e outra, sem título, sobre a princesa Diana –, um "cartoon musical" – Zorro - The Fox –, um álbum de "gospel flavoured spirituals", The Atomic Hymnbook, e Earth - The Story So Far, um ambicioso projecto acerca da história do mundo tendo como protagonistas Adão e Eva, Elvis Presley, os Kennedys e Neil Armstrong, para além de pouco mais do que miragens como 20th-Century Magic, Femmes Mythologiques, Jeff & Isolde e Doomed Poets Vol. 1). (segue para aqui)

08 September 2023

Umberto Eco - A Biblioteca do Mundo (real. Davide Ferrario)
LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (LXXXVI)
 
(com a indispensável colaboração do R & R)

(clicar na imagem para ampliar)
 
The Fuzztones - "1-2-5" (álbum integral aqui)
 

Plasticland - Wonder Wonderful Wonderland (álbum integral)

07 September 2023

TRABALHAR PARA A MUSA

Num daqueles momentos charneira em que, na data, se torna obrigatório passar a colocar um "antes de" e "depois de" – falo de 2004 e da finalmente concretizada restauração de Smile, de Brian Wilson/Beach Boys –, veio bastante a propósito explorar e inventariar o que restaria ainda de tesouros ocultos numa era em que a Net desvendara já muito do que (entre "bootlegs", "lost albums", pepitas de lado B e infinitas outras raridades) alimentara a imaginação de duas ou três gerações de fãs. E, por aí, foram sendo exumados projectos nunca, até então, concretizados ou ignorados. Foi o caso de Household Objects, dos Pink Floyd (1973): após o sucesso planetário de Dark Side Of The Moon, Waters, Wright, Mason e Gilmour, ocuparam-se com a gravação da sonoridade de objectos domésticos – copos de vidro, caixas de cartão, elásticos, tiras de borracha... – para o que poderia ter sido, mas nunca foi, um encontro entre rock e "musique concrète". (daqui; segue para aqui)