05 January 2008

ALGUMA COISA O DISTRAÍU



Neil Young - Chrome Dreams II

Quando, há três anos, foi, finalmente publicado Smile, de Brian Wilson – provavelmente, o “lost album” de mais mítico e longo curso na história-pop – houve, inevitavelmente, que lhe proporcionar o aconchego contextual de uma lista de vários outros colegas de clandestinidade prolongada. E, para além de Brian Eno, My Bloody Valentine, Pink Floyd ou Prefab Sprout, aí aparecia também Neil Young na qualidade de detentor de um dos maiores acervos de inéditos lendários (naturalmente, há muito circulando subterraneamente, sob a forma de “bootlegs”): Homegrown (1975), Live (1970), Island In The Sun (1982), Old Ways I (1983), Times Square (1989) e Chrome Dreams (1977) são só alguns exemplos. Como é também inerente aos “lost albums”, das doze faixas originais de Chrome Dreams, Neil Young, ao longo dos anos – em American Stars’n’Bars (1977), Rust Never Sleeps (1979), Freedom (1989) e Unplugged (1993) –, já se encarregara de gravar “oficialmente” várias (e não das menores do seu “songbook”…), caso de, entre outras, “Like A Hurricane”, “Powderfinger”, “Look Out For My Love”, “Pocahontas”, Will To Love” ou “Sedan Delivery”. O que, à primeira vista, quando se tropeça num Chrome Dreams II, faria pensar que talvez aí viesse uma versão revista e aumentada desse objecto de veneração, fruto de mais uma investida de Young na eternamente anunciada e adiada publicação definitiva dos seus Archives. Ora bem, é disso e não é disso que se trata: Chrome Dreams II é a sequela com trinta anos de atraso de um álbum nunca publicado, constituída por temas dispersos excluídos de vários álbuns publicados (ou não) mas que, desde há bastantes anos, figuravam noutros “bootlegs” e “setlists” de concertos, acrescido de uns quantos originais recentes.

Confusos? Vamos, então, observar à lupa: do original Chrome Dreams (aliás, assim baptizado pelos fãs que o lançaram numa vida de delinquência), substituído por American Stars’n’Bars, não resta um único tema; “Ordinary People” provém das sobras de This Note’s For You (1988); “Beautiful Bluebird” falhou a entrada em Old Ways (1985); “Boxcar” constava do alinhamento de outro “lost”, Times Square, preterido em favor de Freedom. Acerca destas curvas e contracurvas da sua discografia, Neil Young tem uma visão saudavelmente descontraída: “Trabalho para a minha musa. Começamos um álbum e as coisas correm umas vezes melhor, outras pior. Nunca posso dizer que tenha uma ideia exacta do que se vai passar. Muitas vezes, não há uma boa razão para um disco ter ficado perdido pelo caminho. Gravei-o, passou por mim, alguma coisa me distraíu e esqueci-me do que tinha estado a fazer antes. Acontece-me muito isso”. O que estávamos, pois, a perder em consequência das “distracções” dele? Essencialmente, os dois imensos épicos, “Ordinary People” e “No Hidden Path” (18 e 14 minutos de duração, respectivamente) que, se não têm a estatura de “Like A Hurricane” ou “Cortez The Killer”, nem por isso deixam de voltar a sublinhar que Neil Young, não sendo Dylan, quando as palavras o estorvam, entrega com esmagadora vantagem o discurso às labaredas da guitarra.



“No Hidden Path” é pura incandescência e “Ordinary People” combina texto e demência eléctrica em algo como uma “Penny Lane” virada do avesso, uma fanfarra em louvor do “common man”, encenada sobre o pesadelo de uma alucinação distópica povoada por traficantes de armas, espectros de Las Vegas, “warlords”, proletários desempregados, pistoleiros, “homeless”, vigilantes. O mundo real, enfim. São as duas canções que, verdadeiramente, (muito) contam. Porque as outras contentam-se em reiterar a proverbial ciclotimia estética de Young – do oito do rústico bucolismo folk/country, ao oitenta de bisavô do “grunge” –, certamente melhor do que a maioria (e, aqui, ao reunir companheiros provenientes, simultaneamente dos Crazy Horse – Ralph Molina –, Stray Gators – Ben Keith –, e Bluenotes – Rick Rosas – toca praticamente em todas as suas “valências”), mas, nesta etapa da sua longa biografia, já pouco fértil em surpresas. (2007)

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