01 April 2007

A LENDA DOS ÁLBUNS PERDIDOS



É o Santo Graal da história pop. Poucos ou ninguém os escutou e, por aí mesmo, a lenda cresce. Antes de serem editados (ou se esquivarem ao controlo na condição de "bootlegs"), são invariavelmente obras-primas que, vá-se lá perceber porquê, artistas e editoras decidiram não publicar. Quando — e mais tarde ou mais cedo, isso acaba quase sempre por acontecer —, por fim, saem à luz do dia e o processo de avaliação começa, algo se perde irremediavelmente: a aura mitológica de coisa inatingível a que só um "inner circle" de iniciados teria muito restrito acesso. E, ao descer à terra, serão finalmente excelentes, razoáveis ou nem por isso como todos os outros que não gozaram da oportunidade de, pelo menos por algum tempo, apenas poderem ser imaginados. Exemplos? A versão "original" (isto é, sem Phil Spector) de Let It Be, dos Beatles. Após décadas de efabulação acerca de quanto a sobrecarga dos arranjos de Spector teria desfigurado os "diamantes em bruto" de Lennon e McCartney, saiu o ano passado em formato Naked.



Bom, o tresloucado Spector, afinal, fazia mesmo falta e, uma vez não é regra, "first thought, best thought"... No polo oposto, estarão as célebres Basement Tapes, de Bob Dylan com a Band ou VU, dos Velvet Underground, que, uma vez publicados, em nada desmereceram da lenda.
A verdade é que, na frenética actividade editorial de rentabilizar todo o material gravado (de lados B, a versões "live", "takes" alternativas, esboços incipientes e graçolas de estúdio às tantas da matina), já não haverá assim tantos tesouros enterrados. Mas, escavando bem e com persistência, um Indiana Jones da pop ainda poderá tropeçar numas quantas preciosidades:


Pink Floyd - Household Objects



Em 1973, após o êxito planetário de Dark Side Of The Moon, Roger Waters, Rick Wright, Nick Mason e David Gilmour, sem o saberem, pensaram em antecipar o advento do "sampling". E dedicaram-se a registar os sons de objectos domésticos (copos de vidro, caixas de cartão, elásticos, tiras de borracha) que deveriam substituir o timbre dos instrumentos convencionais. A maionnaise nunca chegou a pegar mas, algures num arquivo qualquer, existem fitas gravadas.


Neil Young - Homegrown



É apenas o caso mais notório de um inesgotável baú (outros inéditos existem como Live 1970, Chrome Dreams, 1977, Island In The Sun, 1982, Old Ways I, 1983, ou Times Square, 1989) que, desde há muito, Neil Young promete vir a revelar.
Gravado em 1975, a seguir a On The Beach, seria um álbum de recorte country supostamente baseado numa dolorosa tragédia amorosa do autor. Demasiado "pessoal", nunca veria a luz do dia.


Brian Eno - My Squelchy Life



Chegou a ser anunciado em 1991 como iminente publicação de Brian Eno. Nele terão participado o teclista de Tom Petty, Benmont Tench, a secção rítmica dos Neville Brothers e um quarteto feminino de marimbas. Acabaria por ser cancelada a sua edição e substituido por Nerve Net.


My Bloody Valentine - The New My Bloody Valentine Album



O "x" que assinala o local encontra-se nas imediações do estúdio doméstico de Kevin Shields onde o sucessor de Isn't Anything (1988) e Loveless (1991) se encontrará sepultado. O "shoegazing" continua à espera do seu Novo Testamento.


Bruce Springsteen - The Electric Nebraska



Gravado originalmente com a E-Street Band, em 1982, Nebraska acabou por ser editado sob a forma da interpretação acústica inicial das "demo tapes" que Springsteen preferiu à versão eléctrica.


Buffalo Springfield - Stampede



Deveria ter sido o segundo álbum da banda de Stephen Stills e Neil Young. Os conflitos no interior do grupo, no entanto, impediriam a sua publicação. Foi substituido, em 1967, por Buffalo Springfield Again.


Prefab Sprout



Desde Jordan - The Comeback (1990), que Paddy McAloon anuncia ter composto música suficiente para, pelo menos, oito álbuns. Explicitamente referidos, existem duas óperas, Michael Jackson - Behind The Veil, e outra, sem título, sobre a princesa Diana, um "cartoon musical", Zorro - The Fox, um álbum de "gospel flavoured spirituals", The Atomic Hymnbook e Earth - The Story So Far, um ambicioso projecto acerca da história do mundo tendo como protagonistas Adão e Eva, Elvis Presley, os Kennedys e Neil Armstrong.


Kraftwerk - Technopop



Anunciado para 1983, acabaria apenas por ser publicado três anos mais tarde, não na versão analógica original mas noutra digital sob o título de Electric Cafe.


Orange Juice - Ostrich Churchyard



É o registo original do álbum de estreia da banda escocesa que seria posteriormente regravado e editado pela Polydor, em 1981, sob o título You Can't Hide Your Love Forever.


Johnny Mathis - I Love My Lady



Produzido pelos Chic, vinha na sequência de outro projecto também abortado de Nile Rodgers e Bernard Edwards com Aretha Franklin. Previsto para 1981, nunca seria publicado.


Captain Beefheart - Bat Chain Puller



Complicações legais e contratuais várias impediram a publicação deste álbum de 1976 de Don Van Vliet. Algumas das faixas seriam regravadas e publicadas dois anos depois, integradas em Shiny Beast.


Smashing Pumpkins - Machina II/The Friends And Ennemies Of Modern Music



Deveria ser, em 2000, o tomo-gémeo de Machina: The Machines Of God, último álbum da banda de Billy Corgan e, sob forma conceptual, versaria o tema de uma "imitation rock band". Nunca comercialmente distribuido, acabaria por ser disponiblizado pelo grupo na Internet. (2004)

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