23 June 2022

Laboratorium Pieśni - "Lecieli żurauli"

(sequência daqui) Dez anos depois, culminando agora com a invasão da Ucrânia, sente que a intervenção político-artística das Pussy Riot tem sido ímportante? 

 Não costume fazer esse tipo de avaliações mas posso dizer-lhe que, no ano passado e já neste, tive os meus dois últimos processos judiciais. Antes disso já tinha sido presa seis vezes. O país tem vindo a transformar-se num autêntico pesadelo, uma ditadura na qual temos de enfrentar processos judiciais diariamente. Neste momento, os protestos contra a guerra poderão ter como consequência penas de prisão, entre os 5 e os 15 anos. Esta é a realidade do que tem vindo a acontecer e a agravar-se desde 2012. 

Há 15 dias, num concerto de uma banda russa, os Kis-Kis, em S. Petersburgo, milhares de pessoas no público, entoaram em coro “Fuck the war”... 

Há imensa gente que está contra a guerra. E muita gente que protesta e é presa. O que nem sempre é muito visível do exterior. O movimento de massas contra Putin precisa de ter uma dimensão internacional. Os milhões que a Rússia continua a receber do Ocidente têm de ser travados. É isso que lhe permite persistir na invasão da Ucrânia e, por outro lado, ter meios para, internamente, oprimir o povo russo. 

Mas, caso a queda de Putin venha a acontecer, existirão alternativas viáveis? 

Evidentemente que sim! Se houvesse eleições, centenas, milhares de pessoas estariam dispostas a candidatar-se para o parlamento e também para a presidência. Há milhares nas prisões e isso é um sinal de que os russos não se deixaram paralizar. Se as eleições fossem verdadeiramente democráticas poderia haver hipóteses de mudança. Putin deveria ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, tanto por crimes de guerra na Ucrânia como no interior do seu próprio país. 

Quem assistir às apresentações das Pussy Riot deverá ir com a expectativa de algo entre o concerto de rock e o meeting político? 

Todos os concertos que, até agora, temos realizado na Alemanha, na Áustria e na Holanda – praticamente metade da digressão – esgotaram. E trata-se, essencialmente, de um manifesto político, um apelo à revolta, que não se resume à dimensão sonora/musical: inclui também a dimensão importante de elementos de video-arte.

20 June 2022

"Já se realizaram e vão-se realizar várias manifestações com o pretexto da paz. Nos cartazes diz-se 'guerra e corrida aos armamentos, não!' Não sei muito bem como interpretar esta palavra de ordem, porque a 'guerra' iniciou-se porque houve uma invasão militar de um país pela Rússia e a 'corrida aos armamentos' é uma resposta inevitável a essa invasão, não a sua causa. Não deviam nomear a Rússia e dirigir para o invasor a sua condenação em nome da paz? Deve haver um acordo de paz? Sem dúvida, mas desde que esse acordo não implique o benefício do infractor, porque, se é assim, ele favorece a guerra e não a paz. (...) Eu seria o primeiro na manifestação se a paz desejada passasse pela retirada do invasor, pelo pagamento de indemnizações pelas destruições causadas, pela libertação das populações prisioneiras contra a sua vontade na Rússia, pelo julgamento dos crimes de guerra por autoridades independentes, pelo respeito pela soberania ucraniana. E então sim, incluiria nesse acordo, uma considerável autonomia das minorias russófilas na Ucrânia, o seu direito à língua e à cultura, idêntico julgamento dos crimes de guerra ucranianos e a exigência da luta contra a corrupção, a democracia e a liberdade, uma eventual renúncia à entrada na NATO, desmilitarizando as zonas fronteiriças" (JPP)

(sequência daqui) Mas fê-lo apenas por causa da digressão ou devido ao facto de ser complicado permanecer na Rússia enquanto activista anti-Putin? 

Fugi da Rússia porque, para concretizar esta digressão, não tinha outra solução senão fazê-lo. Mas também porque um dos objectivos destes concertos é angariar fundos para apoiar a reconstrução de um hospital pediátrico, em Kiev, na Ucrânia. Houve (e continua a haver) muitas crianças vítimas da guerra que precisam de todo o apoio que conseguirmos oferecer-lhes. 

Pode dizer-se que o grupo que vem tocar consigo são ainda as Pussy Riot que, em 2012, assaltaram a Catedral do Cristo Salvador, em Moscovo? 

Sem dúvida. Várias das actuais Pussy Riot são-no já desde 2012, outras... há 60 anos! (risos) Mas, para além daquele instante em que estamos juntas num palco, muito antes disso, já partilhámos inúmeras peripécias. 

A Nadya Tolokonnikova, o outro elemento das Pussy Riot que, em 2012, foi presa, julgada e condenada consigo, já não vive na Rússia há bastante tempo. Apesar disso, mantêm-se em contacto e têm alguma espécie de estratégia comum? 

Mantemo-nos em contacto, evidentemente, mas isso nem sempre é fácil. No entanto, os nossos sonhos e objectivos continuam a ser os mesmos. 

Desde o início, as Pussy Riot nunca corresponderam aquilo que habitualmente designamos como “uma banda” ou mesmo “uma banda punk”. Como deveríamos chamar-lhes? Uma brigada de agitação e propaganda? 

Nós não somos uma banda punk. Somos um colectivo político-artístico que luta contra a ditadura de Putin, um colectivo feminista e a favor dos direitos LGBTQ. (segue para aqui)

19 June 2022

Gogol Bordello (feat. The Cossacks) - "Teroborona"

"Teroborona is a term for Civil Defense Units formed of civilians who stood up to protect Ukraine. Many of my artist and musicians friends had to pick up arms and join Teroborona. This is a dedication to their courage and to the courage of all defenders. The song is rooted in Ukrainian traditional dance “Arkan”, one of true Ukrainian Hutzul spirit. All proceeds will go to Ukraine relief"
(ver aqui)

18 June 2022

"A RÚSSIA É UM PESADELO" 

A 21 de Fevereiro de 2012, Nadya Tolokonnikova, Maria (Masha) Alekhina e Yekaterina Samutsevich pularam sobre o altar da Catedral do Cristo Salvador, em Moscovo, e entoaram uma “oração punk” em que imploravam à Virgem que livrasse os russos de Vladimir Putin. Imediatamente presas e julgadas, as três Pussy Riot – na verdade, não uma “banda” mas uma brigada de teatro de guerrilha de cerca de 10 performers e 15 elementos responsáveis pela logística técnica (incluindo filmagem, montagem e distribuição de vídeos via-Internet) –, seriam condenadas por um tribunal de Moscovo a uma pena de dois anos de prisão “por hooliganismo e incitação ao ódio religioso”. Na altura, afirmariam: “Não são as três cantoras das Pussy Riot que estão a ser julgadas. É o aparelho de Estado da Federação Russa que está a ser julgado e que, infelizmente para si mesmo, se deleita em publicitar a sua crueldade para com os seres humanos, a indiferença perante a sua honra e dignidade, o pior do que aconteceu na História da Rússia até hoje. Lamento profundamente que este tribunal não seja muito diferente das troikas estalinistas”. Libertadas em Dezembro de 2013, numa manobra de relações públicas antes dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, Masha e Nadya, fora e dentro da Rússia, através de videos, acções de agit-prop, publicação de livros e concertos, nunca baixaram os braços. O que, tal como agora aconteceu com Masha – à beira de uma digressão europeia que passaria por Portugal –, as obrigou a uma táctica de fuga permanente.

Há semanas, quando, aparentemente, iria haver uma possibilidade de termos esta conversa, ela acabou por ser impossível. Ao mesmo tempo, surgiu na imprensa internacional a notícia de que, por essa altura, a Masha, via Bielorússia e Lituânia, tinha fugido para a Islândia sob o disfarce de entregadora de refeições... 

É, de facto, verdade. Estava a preparar-me para dar início a esta digressão e vi-me obrigada a resolver, de urgência, uma série de problemas. Sabia que iriam surgir grandes dificuldades na passagem da fronteira, tinha a minha casa constantemente vigiada pela polícia... Tive de arranjar forma de resolver esses problemas da maneira mais expedita possível. (daqui; segue para aqui)

 A voz da sabedoria

What is your guiltiest pleasure? I never feel guilty about pleasure.

What is the worst job you’ve done? I just hate to work, so I can’t choose one.

17 June 2022

Sim, sim, sim, sem a mais pequena dúvida, é puríssimo populismo do mais desgraçadamente rasteiro (aquele capaz de provocar a constrangedora sensação de vergonha alheia)

(via DdO)
Na verdade, não muito diferente de como é (e, no essencial, sempre foi)
 
 
STREET ART, GRAFFITI & ETC (CCCV)

Brejnev e Erich Honecker (Dmitri Vrubel, Berlim, 1991)
 
 

Zelensky e Putin (Andrea Villa, Turim, 2022 - via DT)

16 June 2022

... e tudo porque, ao fim de 7 anos - vá lá, 5 descontando 2 covidianos -, se identificou uma “conjugação de problemas: a sucessão de feriados e pontes de Junho que surgiu, de surpresa, no calendário, mais uns quantos "problemas estruturais que precisam de ter resposta” - naturalmente "estrutural" - a qual, logo à tardinha, brotará de um inevitavelmente maravilhoso "programa estrutural"

Edit (19:21) - ... afinal, parece que o "estrutural" era "conjuntural"... realmente, o estruturalismo já viveu melhores dias
"Há um problema? Nomeia-se uma comissão!..." (era fácil de adivinhar, não era?)

14 June 2022

As relações entre a Vaticano S.A. e a seita social-fascista são cada vez mais estreitas (e não é coisa pontual nem desgarrada...)
NA SOMBRA, ENTRE O BEM E O MAL
 

Em 2012, após 17 anos de prolongadíssima pausa, os Monochrome Set voltaram, inesperadamente, à actividade. Um ano antes, Bid, dínamo criativo de uma banda pela qual já circularam quase duas dezenas de músicos, havia sido vítima de um aneurisma. Submetido a cirurgia que lhe colocaria espirais de platina nas artérias cerebrais, narraria todo o processo em Platinum Coils, um “musical sobre um internamento hospitalar” e tiro de partida para um surto criativo que, nos últimos 10 anos, deu origem a 7 álbuns. Por altura do último Fabula Mendax (2019), confessava-nos que “Agora, não consigo parar de escrever. Não vem do subconsciente, não tem nada a ver com a consciência mas com uma entidade diferente dentro de mim. (...) Essa criatura é uma entidade criativa que emerge através da parte do cérebro que lida com o pensamento lateral”. Nesse álbum, ocupar-se-ia da história – alegadamente inspirada por um manuscrito medieval – de Armande de Pange, uma obscura seguidora de Joana D’Arc.

"Really In The Wrong Town"

Acerca do anterior, Maisieworld (2018), explicava que “Maisie, a vossa anfitriã, guiar-vos-á através de uma sucessão de canções que iluminam a natureza volátil, caprichosa e, essencialmente, instável dos Monochrome Set (...), nestes esgotos sonoros onde as guitarras saltam como cimitarras ferrugentas”. No novo Allhallowtide, a misteriosa “entidade criativa” conduziu-o a crer que os últimos dois anos de vida no mundo foram palco de um combate na sombra entre o Bem e o Mal (aliás, os Illuminati), no qual (apertem os cintos!) Trump é um dos “good guys”. “Just assume I’m mad”, diz ele numa entrevista a “Life Elsewhere”. Não precisava fazê-lo. Naquele singularíssimo registo entre o Music Hall britânico, o pós-punk, a "film music" e Scott Walker, a música dos Monochrome Set continua próxima da perfeição. Mas alguém deveria ver com muito cuidado se está tudo bem com as espirais de platina. (daqui)

"Labelling Google’s LaMDA chatbot as sentient is fanciful. But it’s very human to be taken in by machines" (daqui)

13 June 2022

11 June 2022


"Conheci a Paula Rego em Londres, quando para lá fui viver, em 1978, na qualidade de conselheiro cultural da nossa embaixada. Fui-lhe apresentado em casa do Helder Macedo. Logo me impressionaram muito o seu sorriso travesso, a quase intolerável amperagem dos seus olhos e a total despretensão da sua conversa. A Paula tornava-se rapidamente amistosa e recusava o jargão dos pseudo-cultos. Falava, com ironia mal velada, nos críticos de arte, que construíam grotescas catedrais de interpretação, à volta de soluções de pintura muito simples e muito óbvias. Em literatura, passa-se o mesmo, mas os críticos de arte refinam, neste delírio interpretativo. Ao longo da minha vida, conheci mais do que um pintor de nome que dizia gostar de ouvir opiniões sobre as suas obras, desde que não fossem opiniões de críticos de arte. Lembro-me de a Paula, que gentilmente me convidara a visitar o seu enorme estúdio, em Londres, me ter ali mostrado um seu quadro de enormes dimensões. Disse-me que quando concluíra aquela obra, notara que no canto inferior esquerdo, ficara um espaço em branco, que se tornou, para ela, irritante. Para obviar a isso, pintou lá uma figura de um animalzinho que me mostrou, comentando: 'Não imagina, Eugénio, as coisas delirantes que alguns críticos disseram do significado profundo deste animalzinho, que eu ali pusera só para encher espaço...'" (daqui)


10 June 2022

 
"Oh In The Meadow Red Viburnum" (Ukrainian Sich Riflemens song)
(ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui)
"everything perfect is already here"
 
(sequência daqui) A grande diferença entre ambos é que, enquanto Waits, então, confessava o desejo de “fracturar as canções para não lidar com elas tal como são, tornar mais abstractos os territórios familiares para oferecer-lhes algo como um contexto cubista, não lhes colocar um espelho à frente, dar-lhes antes uma martelada”, a matéria-prima sobre a qual Rousay trabalha são já os estilhaços sonoros do mundo – isqueiros, máquinas de escrever, passos, o piar de pássaros, farrapos de diálogos, o vento – capturados em "field recordings" de percurso aleatório e fluidamente articulados com os violinos de Alex Cunningham e Mari Maurice, a harpa de Marilu Donovan e o piano de Theodore Cale Schafer. Num espaço entre a "musique concrète" e o ilusório silêncio de Cage, Everything Perfect Is Already Here, enquanto projecto de arquitectura sonora virtual, leva-nos a escutar aquilo que o ouvido filtra.

09 June 2022

É sempre um transbordante prazer ler a incomparável produção intelectual da
 Dona Isilda da qual este suculento naco 
é um belíssimo exemplo:
 
Há quem leia isto e consiga 
continuar a votar nesta gente?
 
Edit (23:38) - ... e se acrescentarmos ainda isto...

07 June 2022

O QUE O OUVIDO FILTRA

Algures pelo final do século passado, Tom Waits gabava-se da sua receita de galinha de churrasco com molho de manga, limão, alho e gengibre e, se antes já havia associado a escrita de canções a “uma questão de trajectórias e balística” mas também de “cirurgia plástica, biologia, química e física básica”, dessa vez, desenvolveu mais o ponto de vista: “Cozinhar acaba por ser o mesmo que dirigir, arranjar e compor música. È a mesma psicologia de avaliar qual o ingrediente correcto, o que é compatível com o que se utilizou, quanto tempo deixar a apurar e quando voltar a mexer-lhe, se deve fritar-se ou cozer-se”. Vinte e picos anos depois, Claire Rousay, gaba-se do seu frango duplamente grelhado em marinada de amoras e não resiste a observar que “na verdade, é apenas um exercício de improvisação: estamos ali, no momento, de vez em quando provamos, apercebemo-nos de que falta um tempero qualquer, cozinhamos um pouco mais (às vezes, demais) e temos de ir inventando soluções”. (segue para aqui)

"it feels foolish to care"

06 June 2022

Mais um maravilhoso episódio de "As Esposas do Senhor" que não deverá passar despercebido

(CM; clicar na imagem para ampliar)
O inventor da primeira máquina de tirar bicas merece, sem dúvida, ser o Google Doodle de hoje (e muito mais!)

03 June 2022

"Burdland"
 
(sequência daqui) Não poderia ser mais apropriado: a música que Laura Wilkie, Aileen Reid, Fiona MacAskill (violinos), Jenn Butterworth (guitarra) e Laura-Beth Salter (bandolim e guitarra tenor) criam é a própria demonstração prática de como (nas palavras de Camões via-José Mário Branco) “Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”. Se o terreno sobre que assenta a música do quinteto de Glasgow é a tradição popular britânica, existe nele igualmente uma bem presente memória do modus operandi-Penguin Cafe Orchestra: a vertiginosa desfilada de "Burdland", despede-se, como deve, com um aceno a "Birdland" (de Joe Zawinul para os Weather Report), uma das peças do puzzle "Dishgo", dedicada a um progenitor "headbanger", dá pelo nome de "Radge Against The Machine" e, de um modo geral, o eufórico labirinto de música de câmara, bluegrass, jazz, folk escocesa/irlandesa e escandinava dispensa todos os mapas para ser mui proveitosamente explorado.
Sempre, sempre a Odebrecht

01 June 2022

David Byrne Radio Presents: Psychedelia Lives!

Sendo indiscutível que pode tirar-se um bimbo da bimbolândia mas nunca se extrai a bimbolândia do interior de um bimbo, é evidente que, tratando-se, na essência, de puríssimo Cavaco (o ressentimentozinho dispéptico é inconfundível), seria interessante saber quem lhe aplicou a patine irónica, coisa de que o doutorado por York nunca em mil anos seria capaz