27 April 2022

O ANO DO TIGRE (CLXII)

"Se os gatos pudessem fazer filosofia, se tivessem a capacidade intelectual e o pensamento abstracto que a filosofia requer, provavelmente não estariam interessados. Não precisam dela. Os seres humanos inventaram a filosofia para tentar limitar as próprias ansiedades. Todas as três principais escolas clássicas de filosofia — estoicismo, epicurismo e cepticismo — defenderam explicitamente que o objectivo da filosofia era atingir um estado imperturbável de calma. Nós, humanos, não somos naturalmente felizes, não regressamos ao contentamento, à tranquilidade, como os gatos fazem sempre. Quando não estão a caçar, a acasalar ou a brincar, estão simplesmente a dormir, a comer ou a ver a vida a passar. É essa a sua condição natural. São felizes ao ser o que são, desde que consigam viver a vida para a qual nasceram. Já os seres humanos são invulgares e únicos entre os animais que conhecemos: não são felizes com a própria natureza. (...) Se um gato pudesse ser filósofo, o que faria? Interessar-se-ia pela filosofia? Poderia praticá-la por entretenimento, como brincar com uma bola. Imagino, no fim do livro, dez dicas felinas, não mandamentos. Os gatos nunca escreveriam mandamentos para ninguém. E também não acham que os seres humanos são suficientemente inteligentes para os seguir, certamente. Não espero que os humanos os sigam. (...) O francês Michel de Montaigne, tinha uma gata e escreveu: 'Quando brinco com a minha gata, como sei que não é ela que passa tempo comigo, e não eu que passo tempo com ela?' Montaigne adorava gatos e entendia-os, mas para ele era uma forma de recuperar da má filosofia, uma espécie de antídoto. Se o usasse, então, podia viver de forma natural. Como humanos, não podemos confiar inteiramente na nossa natureza como os gatos fazem, temos de usar alguma arte". (daqui; ver aqui)

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