18 September 2018

MALÍCIA


Foi já publicado há alguns meses mas, no caso, isso é absolutamente indiferente: qualquer disco dos Monochrome Set poderia ter sido gravado há 40 anos (quando Bid – "aka" Ganesh Seshadri – se reuniu com a primeira formação da banda de que, hoje, entre quase duas dezenas de baixas posteriores, é o único sobrevivente), anteontem ou algures no futuro. Complique-se um bocadinho: é tão legítimo vê-los na qualidade de herdeiros naturais dos Kinks como enquanto precursores dos Smiths, Blur, Pulp, Orange Juice ou Divine Comedy, estatuto que nenhum dos incluídos na lista repudia. Tão observadores implacáveis mas distanciados do “humano, demasiado humano”, quanto adeptos do ponto de vista de Marcel Duchamp que aconselhava a “nunca levar o mundo demasiado a sério sob pena de morrer de aborrecimento”, e exercendo a arte num inoxidável perímetro pop clássico, tiveram o seu instante de glória quando uma anónima votação "online" consagrou Strange Boutique (1980) como o 5 824º melhor álbum de sempre. Na última vez que tropecei neles – Platinum Coils (2012) –, Bid, num “musical sobre um internamento hospitalar”, divertia-se com a infinita comédia da mortalidade, a propósito da recente refrega com um aneurisma cerebral. Era também o momento em que, após 17 anos de hiato, a banda se reactivava e publicava um álbum não menos conceptual do que o actual Maisieworld



São eles mesmos que, agora, me poupam algum trabalho de o apresentar: Maisieworld é destilado a partir das flores pungentes da malícia artística e representa o apogeu da consumação sonora. Maisie, a vossa anfitriã, guiar-vos-á através de uma sucessão de canções que iluminam a natureza volátil, caprichosa e, essencialmente, instável dos Monochrome Set. Sereis cercados pelos ecos de uma era passada de perícia enquanto vos podereis recompor nestes esgotos sonoros onde as guitarras saltam como cimitarras ferrugentas (...). Vozes jocosas cantarão a vossa frágil natureza orgânica, os tristes sonhos e esperanças que alimentais (...). À saída de Maisieworld, sereis agradavelmente surpreendidos ao descobrir-vos repletos de pensamentos insólitos”. Acrescente-se que Maisie (na capa) é uma Barbie de bronze e o tema geral é algo como Dorian Gray num mundo de robôs, meio "vaudeville" vampiresco, meio "cyber-porn" de recorte espirituoso, excêntrico, absurdo e concebido por medida para um Gentlemen’s Club de frequentadores peculiares e adeptos de excitantes extravagâncias. Isto é, mais do que recomendável.

2 comments:

Táxi Pluvioso said...

A verdade é que dos grandes portugueses, dos que criam portugais lá fora, ninguém fala deles:

https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/el-portuguesito-o-lusodescendente-suspeito-de-liderar-grupo-criminoso-morreu-em-confronto-com-a-policia-na-venezuela


João Lisboa said...

O Marselfie vai ter de o medalhar postumamente.