08 November 2012

OURO E PLATINA



The Monochrome Set - Platinum Coils 

Não é provável que, por causa disso, os detectores de metais, nos aeroportos disparem o alarme mas a verdade é que Ganesh Seshadri (aliás, Bid, ou, segundo o próprio, O Jovem Deus de Cabeça de Elefante Que Cavalga a Serpente Cósmica), vive, desde há um ano, com espiras de platina no cérebro. Coisa normal quando se foi vítima de um aneurisma: entrando pela artéria femoral, trepando pela aorta, seguindo pela carótida e chegando, finalmente, às artérias cerebrais, pretende-se que as espiras preencham o aneurisma e o excluam da circulação, tal como, desde 1990, o Dr. Guido Guglielmi recomendou. Ou, em metáfora felina, nas palavras de Bid, “There’s a kitten on my hip, and it’s going on a trip, up a river to my head, where it’s purring, there’s a kitten in my vein, and it’s swimming to my brain, and it’s spinning out the pain, am I slurring?” Considere-se a liberdade poética como atenuante na troca de “veias” por “artérias” e franqueie-se a porta de entrada daquilo que é explicitamente apresentado como “um musical sobre um internamento hospitalar”. Sim, isso mesmo. Quem conhece os Monochrome Set não deverá achar a proposta demasiado excêntrica embora, provavelmente, duvidasse que uma reunião da banda, após dezassete anos de divórcio, pudesse escapar ao deplorável destino que a esse género de empreendimentos costuma estar reservado. Como também aconteceu, no ano passado, com os Feelies, afinal, só há boas notícias para dar. 


A primeira é, evidentemente, o facto de um dos grupos mais incompreensivelmente ignorados do pós-punk britânico se reapresentar em tão excelente forma. Eles (Bid, Lester Square – na realidade, Thomas W.B. Hardy, professor de artes e primeiro vereador dos Verdes por St. Albans, em Londres – e Andy Warren, o núcleo histórico dos Monochrome Set) que são regularmente referidos como fonte de inspiração dos Smiths, R.E.M., Orange Juice ou Divine Comedy, e fabricantes de requintadíssimas jóias pop como Strange Boutique, Love Zombies (1980) ou Eligible Bachelors (1982), não ultrapassaram nunca o estatuto de micro-culto: até 1995, mais ou menos obscuramente, publicaram, entre hiatos, sete álbuns contendo pérolas avulsas e, nessa altura, puseram um ponto final na trajectória, com Bid a reinventar-se via-Scarlet’s Well. A outra boa notícia é um tanto paradoxal: qual Oliver Sacks, através do acidente neurológico, Bid compreendeu a natureza do seu processo criativo.



Tendo ficado com uma ligeira perturbação no centro da linguagem, acontece-lhe perder, momentaneamente, a capacidade de nomear objectos: “Mas, se pegar na guitarra e na caneta, as canções escrevem-se sozinhas, sem interferência consciente minha. É como num conto de fantasmas de Guy de Maupassant, ser possuído por uma entidade que acede ao meu arquivo de palavras”. A entidade é uma boa entidade, as canções são excelentes e – tal como vemos na imagem da capa (assinada por Lester Square) –, em Platinum Coils, da cabeça do involuntário autor, explodem, em jacto surreal, as imagens e personagens do seu período de internamento, do "Mein Kapitan" (“Won’t somebody read him The Critique Of Pure Reason, won’t somebody feed him peaches out of season, and if he pits them, then reclines, and assigns silly rhymes to his thought crimes”) ao "Alberto" (“With his mental pencil moustache, in a minute he’ll be here, smoking with curses, pinching the nurses’ bottoms”), em banho de ouro de pop/vaudeville só disponível nas mais requintadas ourivesarias.

2 comments:

ORELHA EXTRA said...

Outros injustamente ignorados e dos quais tarda a surgir compilação que talvez os pudesse colocar no merecido lugar de uma das melhores bandas dessa década agora tão em moda, passados 30 anos, são estes: http://www.youtube.com/watch?v=VX-PCmjroY0



João Lisboa said...

Sim, sim: http://lishbuna.blogspot.pt/search/label/The%20Comsat%20Angels

(já houve uns Tubos que desapareceram...)