27 October 2020

The Apartments - "Butterfly Kiss"

A CASA DAS MIL GUITARRAS

 

Bruce Springsteen tinha 22 anos e precisava de contar as moedas de cêntimo, uma a uma, até perfazer o modesto dólar necessário para pagar a portagem do Lincoln Tunnel, no trajecto de New Jersey a Nova Iorque. Mas, nessa altura, já tinha conseguido ser recebido por John Hammond, o lendário “descobridor” de Billie Holiday, Aretha Franklin, Count Basie, Bob Dylan, Leonard Cohen, Robert Johnson, Arthur Russell ou Benny Goodman, que – conta na autobiografia, Born To Run (2016) –, ao escutar "It’s Hard To Be A Saint In The City", lhe disse “Tens de assinar pela Columbia Records. Foi maravilhosa. Toca outra”. Procurando recompor-se (“Senti o coração a subir por mim acima, partículas misteriosas a dançarem-me sob a pele e estrelas distantes a fazerem disparar as minhas terminações nervosas”), tocou 'Growin’ Up' “e, depois, uma coisa chamada 'If I Was The Priest'. Ele adorou os elementos católicos, sublinhou a ausência de clichés e disse que tinham de tratar das coisas para que o Clive Davis (então, o presidente da Columbia) me ouvisse. (...) Tinha subido aos céus e falado com os deuses que me disseram que cuspia trovões e lançava raios. Estava a acontecer!”. A divindade Clive Davis deixou-se também seduzir mas, como recorda agora Springsteen no filme de Thom Zimny que acompanha a publicação do novo Letter To You, não resistiu a comentar que as canções estavam sobrecarregadas de palavras, “se não tiveres cuidado, acabas por esgotar a totalidade da língua inglesa. Essas coisas são para o Bob Dylan!”. Bruce tomou nota mas, interiormente, não deixou de as sentir como um enorme elogio: “Bob Dylan inspirou-me e deu-me esperança. Apontou correctamente o Norte e fez as vezes de farol para nos ajudar a descobrir o caminho por entre o novo caos em que a América se tornara. Ele hasteou uma bandeira, escreveu as canções, cantou as palavras essenciais à época e, naquele momento, à sobrevivência emocional e espiritual de muitos jovens americanos”, escreveria também em Born To Run.

"If I Was The Priest" – mas também "Janey Needs a Shooter" e "Song For Orphans" –, no entanto, não encontrariam lugar na estreia, Greetings From Asbury Park, N.J. (1973), e teriam de esperar quase meio século até que, agora que a ninguém passa pela cabeça crismá-lo como “o novo Dylan”, ele próprio se sente à vontade para libertar o Zimmerman que houve (e ainda há) em si. Foi quando vasculhava os arquivos em busca de pepitas para o sucessor de Tracks (1998) – um álbum de inéditos e outtakes exumados da sua arca sem fundo – que Springsteen tropeçou nas três canções e decidiu retomá-las: “De onde essas vieram, ainda há mais umas quantas. Não há nenhuma intenção especial nisso. Apeteceu-me cantar o que habitava a cabeça daquele miúdo, com a minha voz e a minha banda actuais. Pareceu-me uma combinação interessante e acho que resultou bastante bem. Foi um divertimento enorme, os textos dessas canções são completamente loucos” explicou ele durante uma Zoom session para a América do Sul, Portugal e Espanha. Surreal e dylaniamente loucos, sem dúvida, embora os “elementos católicos” que John Hammond adorou sejam, afinal pouco menos do que heréticos (“Sweet Virgin Mary runs the Holy Grail saloon, for a nickel she'll give you whiskey and a personally blessed balloon, and the Holy Ghost is the host with the most, he runs the burlesque show, where they'll let you in for free and they hit you when you go, Mary serving Mass on Sunday and she sells her body on Monday to the bootlegger who paid the highest price, he don't know he got stuck with a loser, she's a stone junkie what's more she's a user, she's only been made once or twice by some kind of magic”). Mas a entrada de "Janey Needs a Shooter" é puríssimo "Like A Rolling Stone" em grande ecrã, e a ansiosa enunciação do jorro de palavras de "Song For Orphans" (“Cheerleader tramps and kids with big amps sounding in the void, high society vamps, ex-heavyweight champs mistaking soot for soil”) confirmam a ideia de que o que, então, emergia não era apenas um talentoso discípulo de Bob Dylan mas sim alguém a caminho de ser um seu igual.

Quando, em 2011, Leonard Cohen recebeu o prémio Principe das Astúrias das Letras, contou pela primeira vez como tudo o que, na guitarra, viriam a ser os alicerces da sua música, tinha aprendido com um jovem guitarrista de flamenco espanhol com quem, por acaso, se cruzara num parque de Montreal e que, após três aulas informais, nunca mais voltaria a encontrar, acabando por saber que ele se suicidara. Na génese de Letter To You, existem também um guitarrista esquivo e uma guitarra mágica: “Há, pelo menos, seis ou sete anos, que não escrevia canções para a banda. Tinha outros projectos (o álbum e filme Western Stars, os espectáculos na Broadway durante mais de um ano e a autobiografia). Mas não tinha desistido da ideia de um álbum com a E Street Band e, se fosse capaz, um álbum de rock. Uma noite, quando saía da Broadway, um jovem, suponho que italiano, dirigiu-se a mim com uma guitarra na mão. Pensei que pretendia que eu a autografasse mas não, queria oferecer-ma. Era, realmente, uma guitarra bonita de um fabricante que desconhecia. Agradeci-lhe e levei-a para casa onde, durante meses, ficou esquecida na sala. Um amigo, George Theiss, que tinha sido quem me convidara para a minha primeira banda, The Castiles, estava muito doente, com poucas semanas de vida. Fui visitá-lo e, quando num breve espaço de tempo ele morreu, dei-me conta de que, naquela altura, eu era o único sobrevivente da banda da minha adolescência. Foi então que, em Abril do ano passado, peguei na tal guitarra e escrevi a primeira canção, "Last Man Standing". De repente, a barragem rebentara e, em menos de 10 dias, todas as canções do álbum estavam escritas. Andava pela casa e todos os dias escrevia uma canção, no quarto, no bar, na sala... Nunca mais voltei a ver o rapaz italiano mas tenho de lhe agradecer: foi a guitarra que me ofereceu que esteve na origem deste álbum”.

  

Theiss e os Castiles (“Knights of Columbus and the Fireman's Ball, friday night at the Union Hall, black leather clubs all along Route 9, you count the names of the missing as you count off time”) não são os únicos fantasmas que assombram Letter To You. Essa poderá ter sido a sua escola de música – “Aprendi praticamente tudo naquela banda, tocávamos Sam & Dave, os Beatles, Bo Diddley, Jimi Hendrix... Foi um momento único para fazer parte de um grupo. Se, em 1966, alguém quisesse contratar uma banda, teria de ser uma mão cheia de putos de 16 anos, não havia gente de 25 anos a tocar. Fosse onde fosse, só podia ouvir-se música tocada por adolescentes...” – mas, ao longo da grande jornada da E Street Band, também já Clarence Clemons (hoje substituido pelo sobrinho, Jake Clemons) e Danny Federici ficaram pelo caminho. São deles as sombras que pairam em "One Minute You’re Here" (“I thought I knew just who I was and what I'd do but I was wrong, one minutе you're here, nеxt minute you're gone”), "Ghosts" (“Old buckskin jacket you always wore, hangs on the back of my bedroom door, boots and the spurs you used to ride, click down the hall but never arrive”) e "I’ll See You In My Dreams" (“I got your guitar here by the bed, all your favorite records and all the books that you read, and though my soul feels like it's been split in the seams, I'll see you in my dreams”). Tudo gravado ao vivo, em quatro dias, no estúdio da quinta de Springsteen em Colts Neck, essa "House Of A Thousand Guitars", porto de abrigo para Bruce, Roy Bittan, Nils Lofgren, Patti Scialfa, Garry Tallent, Steven Van Zandt, Max Weinberg, Charlie Giordano e Jake Clemons, no qual nunca deixa de se invocar “a força da ideia americana de democracia, vergonhosamente abandonada e espezinhada”.

O interminável regresso às trevas

26 October 2020

25 October 2020

21 October 2020

"The Flaming Lips perform a concert with both the band and fans encased in plastic bubbles"

(via DT)

Maravilhoso kitsch russo, maravilhoso!
 

A democracia representativa é, como o próprio nome indica, uma questão de representação, isto é, de teatro, que perde grande parte do encanto quando o desfecho é, desde há muito, conhecido
 
"Sejamos claros: as pseudoterapias matam. 
E não apenas isso: também são praticadas com impunidade graças às leis europeias que as protegem"

Edit (23:55) - ... não esquecendo espécimes deste tipo

20 October 2020

VINTAGE (DXXXI) 

Jimi Hendrix Experience - "All Along The Watchtower" (B. Dylan)
 
 

TRADUÇÃO CRIATIVA 

 

Emma Swift tinha sido autora de programas de rádio, em Sydney, na Austrália e, em 2013, mudara-se para Nashville, Tennessee. Gravara um EP e dois singles com o companheiro, Robyn Hitchcock – o lendário fundador dos Soft Boys, sobre quem Jonathan Demme realizaria o documentário Storefront Hitchcock – mas, em 2017, descobrira-se num beco sem saída: “Por um lado, estava com 30 e tal anos mas ainda não tinha resolvido nenhum dos meus problemas de infância nem encontrado um ponto de equilíbrio nas minhas relações. Por outro, Donald Trump tinha sido eleito e sentia-se uma mudança muito tóxica na atmosfera cultural. Este fascismo rançoso a levantar a cabeça combinado com o surgimento do movimento #MeToo (que foi um poderoso gatilho para muitas pessoas) e com os meus problemas pessoais criou uma mistura explosiva. Estava muito desligada daquela parte emocional de mim que escreve as canções. Para sobreviver, tinha-me compartimentado imenso e isso não estava a ajudar nada quando pegava na guitarra ou me sentava ao piano” disse Swift ao “WAtoday”. Fazendo ela parte daquele especialíssimo grupo de pessoas que se automedica com música, virou-se para a discografia de Bob Dylan, um "songwriter" que sempre lhe tinha parecido “supremamente confiante, aparentemente, nunca tolhido por dúvidas. Apeteceu-me estar na pele dele. E, para isso, nada melhor do que atirar-me às suas canções, como quem experimenta uma peça de roupa”.


A consequência – que também pulverizaria o "writer’s block" – foi Blonde On The Tracks, um invulgar (e arriscado) álbum de estreia integralmente preenchido com canções de Bob Dylan. Sempre com Robyn Hitchcock ao lado, esta “síntese” de Blonde On Blonde e Blood On The Tracks alheia-se sabiamente da clássica indecisão entre ajoelhar respeitosamente perante o mestre ou não hesitar em degolar a vaca sagrada: optando por uma atitude de tradução criativa, dir-se-ia mais próximo do que a tribo-Fairport Convention & Friends reuniu em A Tree With Roots (2018) do que das labaredas que Jimi Hendrix ateou sobre "All Along The Watchtower". Numa selecção de temas pouco óbvia, o centro de gravidade situa-se nos 12 minutos de "Sad Eyed Lady Of The Lowlands" (“Mais uma meditação ou um solilóquio do que uma canção”) e a surpreendente leitura de "I Contain Multitudes", gravado imediatamente após a publicação do último Rough And Rowdy Ways. Coisa, sem dúvida, bem útil para “desobstruir artérias e canais lacrimais”.

16 October 2020

Matt Berninger - "Distant Axis" 
(Live from EastWest)
 
(daqui; ver também aqui)
E ninguém pergunta ao Anthony Coast nem à Fearsome Martha por que raio o zingarelho (aliás, "gizmo") se chama, parolamente, "StayAway Covid"?

15 October 2020

É assim uma espécie de Santíssima Inquisição: a bófia a impor a fé

... e já se avistam os hereges...
Agora, fiquei na dúvida: isto será marxismo cultural? (é bem capaz de ser, os moços até têm um álbum intitulado Full Communism, obálhamedeus...)
 
Downtown Boys - "L'Internationale" (da BSO de Miss Marx, real. Susanna Nicchiarelli)

"2020 brought a new wave that none of us have ridden. From the necessary uprising in the names of George Floyd and Breonna Taylor to confront police brutality and the grieving and fight to survive a pandemic, what can keep us going is the reminder that so much of the pain of capitalism can only be confronted by the desire and urgency of collective power. We are very honored to be a part of Miss Marx, a film by Susanna Nicchiarelli that is a biopic about Karl Marx’s daughter who was an important but often overlooked organizer and writer. She led many women to take up their/our rightful power in socialism. We recorded this version of 'L’Internationale', a communist worker song, an ode to the global struggle and passion for a freedom bigger than ourselves. We also have other songs on the soundtrack including 'Wave of History', 'A Wall', and 'I’m Enough (I Want More)'. In the midst of this year, we are excited that we could be a part of this and may the future be on our side. We drove through Appalachia in a blizzard for 13 hours with a leaky tire to record this single in time. Wouldn’t take it any other way". (aqui)
 

14 October 2020

O problema reside em ter de acreditar que existe total protecção dos dados pessoais, isto é, trata-se de uma questão de fé. Logo, ao abrigo do direito de liberdade religiosa, ateus e agnósticos deverão ser excluidos
 
HEMORRAGIA LENTA


Na lista das experiências formativas essenciais, Tom Waits inclui ter sido empregado de mesa, em San Diego, na Napoleone's Pizza House: “O que San Diego tinha de bom era haver muitas lojas de tatuagens. Tenho o mapa da Ilha de Páscoa nas costas. E o menu completo da Napoleone's Pizza House na barriga. Quando lá trabalhava, a partir de certa altura, desistiram de imprimir os menus. Eu ia até às mesas e levantava a camisa”. Matt Berninger não anda muito longe disso quando recorda como, nos anos 80, era entregador de pizzas, em Cincinnati: “Fazia pouco mais do que viajar pela cidade, fumando e ouvindo uma estação de rádio, a 97X, Foi o emprego mais musical que tive”. E, à “Uncut”, acrescenta: “Depois, trabalhei num campo de golfe, como cortador de relva, e ouvia os Smiths, enquanto aqueles imbecis ricos tentavam acertar-me com as bolas. Foi a minha educação musical”.
 

Após 20 anos a bordo dos National, publica, agora, o primeiro álbum a solo – Serpentine Prison – e anuncia que se trata de uma nova etapa na aprendizagem de escrita de canções. Tudo terá começado com a adaptação do Cyrano de Bergerac, por Erica Schmidt, para o Daryl Roth Theatre, de Nova Iorque (“Metade escrita de canções e metade paraquedismo”, explicaria Berninger) mas, concluída a experiência de “entrar na cabeça das personagens e exprimir as suas emoções”, pareceu-lhe que era altura de “voltar a chafurdar no meu próprio lixo e isto foi a primeira coisa que daí saiu”. Na verdade, houve uma tentativa anterior de um álbum de versões (Velvet Underground, The Cure, Morphine e Beastie Boys faziam filinha para o abate) que o produtor convidado, Booker T “Green Onions” Jones, desencorajou ao escutar os originais de Berninger co-escritos com Scott Devendorf, Andrew Bird, Walter Martin (Walkmen), Mickey Raphael e Gail Ann Dorsey. E fez muito bem: no mesmo registo acolchoadamente (des)confortável que, desde há dois álbuns, é o dos National, Serpentine Prison é melancolia outonal, hemorragia lenta e quase feliz, um afago resignado antes de encarar o precipício.

12 October 2020

REAPRENDER A ESCREVER


Vai ser necessário “reconstruir a América praticamente a partir de zero” depois dos quatro anos no poder de “um criminoso patético e transparentemente maligno”, diz Matt Berninger, dos National, no momento em que se prepara para publicar o primeiro álbum a solo, Serpentine Prison, produzido pelo lendário Booker T Jones. A partir de Venice, Los Angeles, o presente não é propriamente animador mas Berninger confia que o futuro não há-de ser irremediavelmente negro.  

    Como têm sido estes últimos meses? Tem estado em confinamento? 

Isto, por aqui, está muito mal. A Califórnia é o estado com maior número de casos. E estamos, praticamente, em “lockdown”. Não estamos em quarentena todo o tempo mas usamos sempre máscara. E não há propriamente grande actividade. 

    Para os músicos estes tempos são particularmente estranhos... 

Tenho escrito bastante. Mas tudo muda muito rapidamente. Toda a gente tem de repensar a forma como lida com a vida. Foi tudo virado de pernas para o ar. Não parou apenas a indústria musical, parou praticamente tudo. Tem sido uma situação dramática. Não é possível planear coisa nenhuma. Não faço a mais pequena ideia de quando puderá fazer-se um concerto dos National a sério. Não consigo imaginar um concerto sem 10 000 pessoas que eu possa tocar e sobre quem possa mergulhar, coberto de amor e saliva. (risos) Tenho muito medo de que tenhamos de esperar ainda muito tempo até que isso possa acontecer. Entretanto, toda a gente tenta descobrir formas de sobrevivência enquanto a Natureza não nos oferece uma solução. Estamos a pensar tocar em clubes muito pequenos que correm o risco de fechar. 

    Todas as canções de Serpentine Prison foram escritas antes da pandemia? 

Estavam todas escritas antes do ‘lockdown’. Nenhuma delas foi directamente influenciada pela situação actual. Mas, quando as canções resultam de algum tipo de ansiedade, acabam por ser relevantes para qualquer circunstância atribulada. 

    De qualquer modo, existem referências e alusões bastante explícitas ao estado desgraçado da política norte-americana em “Total frustration, deterioration, nationalism, another moon mission, total submission”... 

Claro que sim. Mas, quando falo do nacionalismo, também posso estar a pensar nos National e “moon mission” pode referir-se a "Return To The Moon", da minha outra banda, EL VY. Quando escrevo, gosto de duplos e triplos sentidos, gosto que a mesma coisa posso ser entendida de formas muito diferentes. 

    Qual é o seu critério para distinguir entre o que será uma canção dos National e outra que poderá incluir num álbum a solo? 

Estou sempre a escrever, nunca paro. Há muitos músicos e autores de canções amigos que me enviam esboços de ideias. Quando o Aaron, o Bryce, o Brian ou o Scott me enviam alguma coisa, será uma canção dos National. Mas, entre Sleep Well Beast e I Am Easy To Find, o Aaron e o Bryce escreveram também toda a música para o musical Cyrano. Por isso, nessa altura, já tinha esgotado todos os esboços de canções que eles me iam enviando. A ideia inicial era gravar um álbum de versões, um pouco inspirado no Stardust, do Willie Nelson. Mas, depois, acabei por pegar nas canções meio alinhavadas que outros amigos me tinham proposto. A ideia nunca foi iniciar outra banda mas dar uma sequência bastante orgânica aquilo que se ia desenvolvendo entre mim e essa comunidade de músicos.

    Mas a própria noção do que são os National não se foi transformando ao longo do tempo? Em I Am Easy To Find, a sua voz, por vezes, praticamente desaparece pelo meio daquela brigada de vozes femininas, os irmãos Dessner e Devendorf têm projectos e colaborações paralelas... Não serão os National, hoje, apenas um ponto de encontro onde, ocasionalmente se juntam para criar música para além daquela com que, individualmente, se ocupam? 

Os National existem quando surge uma ideia ou no momento em que há um certo número de canções a borbulhar. Quando o realizador Mike Mills apareceu com a ideia de fazer um filme em torno do qual se estruturou I Am Easy To Find, tudo se orientou no sentido muito claro de conceber um filme musical e o álbum é quase apenas um subproduto do filme, resultante desse processo de vai e vem entre nós e o Mike. Quando se vê o filme, compreende-se por que motivo a minha voz não está sempre presente. Mas gosto que isso possa ter ampliado a noção do que são os National. No caso do Cyrano, estávamos a compor para personagens específicas o que nos fez aprender ainda uma outra forma de escrever canções. O que, de forma indirecta, acabará inevitavelmente por ter consequências na música dos National. 

    Porque lhe ocorreu convidar Booker T Jones para produzir o álbum? 

Conheci-o há cerca de 12 anos e sabia que ele também tinha produzido o Stardust, do Willie Nelson, que tem uma atmosfera incrível, quase se consegue escutar o som das cadeiras a ranger. Conhece tudo sobre música clássica, blues, jazz, disco, country... A minha intenção era trabalhar com alguém que fosse capaz de se aperceber exactamente de como deveria ser a identidade emocional de cada canção. Quando ele diz que aquela "take" é a "take" certa, ninguém discute. 

    Recordo-me de, numa entrevista anterior, ter dito que prestava sempre muito mais atenção aos textos do que às canções enquanto canções. Neste álbum, dir-se-ia que está no polo oposto: todos os pormenores contam... 

Enquanto gravava estas canções ia também registando algumas das versões em que tinha, inicialmente, pensado e isso fez-me prestar mais atenção à forma das canções e à estrutura das melodias de um modo que nunca antes tinha feito. E pude reparar, por exemplo, como em "Killing Me Softly", da Roberta Flack (uma das grandes canções de sempre), existe o truque estrutural de apresentar logo o refrão no início, e, quando, finalmente, chega o momento “certo” de o escutar, bate-nos de um modo muito mais forte por já termos tido previamentes uma antevisão dele. Estou, realmente, a reaprender a escrever e este álbum permitiu-me concentrar nas melodias e na emoção. As melodias vão atrás da emoção... quando falamos com alguém, a nossa voz sobe para os agudos e desce para os graves em movimentos melódicos. O Booker T estimulou-me a concentrar-me muito nisso. 

    Vai sobrar alguma América depois de Trump? 

É aterrador. Custa a acreditar como uma nação se deixou dominar por um criminoso patético e transparentemente maligno e dói ver a aceitação de tal brutalidade. Teremos de reconstruir a América praticamente a partir de zero mas acredito que o ideal americano mantém a força suficiente para, optando por Biden e Kamala Harris, reinventar o país.

A peçonha de deus

11 October 2020

Sheraton e neo-fachos, a mesma luta!
2020 - Prémio "Adolescente Débil Mental que Dá Forte nos Esteróides"
 

Quando um padreco finalmente descobre alguma utilidade para uma igreja, vem a bófia e mete-o de cana

"Priest recorded having group sex on altar of Pearl River church, police say; 3 arrested"

Um cenário, sem dúvida, comvidativo para a brincadeira

"What Happens When China Leads the World"


(com a colaboração do correspondente do PdC em Pequim)