30 July 2021


Olha, Rochele: 1) ouve, com atenção, a Simone Biles; 2) devias era ter vergonha de ter vergonha por perderes um combate de judo; 3) se "a nação" se sente decepcionada por alguém perder um combate de judo, não é "nação" que valha grande coisa; 4) pede desculpa a ti própria por teres pedido desculpa a "todos os portugueses" 

"Hoje estou até com vergonha porque foi uma nação que acreditou em mim e eu acho que decepcionei Portugal. Só queria pedir desculpa a todos os portugueses que acreditaram em mim"

"Uma coisa é certa: já não há ninguém a reclamar a revolução, isto é, a violência revolucionária (e não devemos confundir revolta — essa sim, sempre actual e conhecendo sempre novas formas — com revolução). A palavra e a coisa foram banidas de uma vez por todas. Um dos escritos mais revolucionários dos últimos anos (assinado por um denominado 'Comité Invisible'), garantia que a democracia não passa de 'governo em estado puro', isto é, de poder gestionário, e lembrava uma frase cínica de Rivarol: 'Há duas verdades que neste mundo não devem nunca ser separadas: 1) que a soberania reside no povo; 2) que ele nunca deve exercê-la'. Seguindo este preceito, o 'comité invisible' proclamava: 'Eles querem obrigar-nos a governar, nós não cederemos a esta provocação'" (AG)
Já agora, também podiam dar uma mãozinha para ver se, logo ali a seguir, na Praça de Espanha, o interminável estaleiro já "inaugurado" fica com um ar mais apresentável

29 July 2021

Dry Cleaning - "Bug Eggs"/"Tony Speaks!"


(ver aqui)
... virá aí agora mais kitsch-épico-patrioteiro sobre as consequências do "peso da nação" nas lesões da mão esquerda?

Edit (15:39) - Bem esprimidinho, ainda há-de dar para umas metáforas catitas sobre o guerreiro da Idade do Bronze, a gloriosa pátria multiétnica, uma medalhita do Marselfie & coiso que é o que se arranja

Edit (17:14) - Uma jóia de mocinho e um exemplo para todos nós!
 
 
(sequência daqui)  Discípulo confesso (e brilhante) de Scott Walker mas também eclético adepto de Sandy Denny, Magazine, The Pop Group, Martin Carthy, Sinatra, Jim O’Rourke, Bill Evans, Brecht e Planxty, em Song of Co-Aklan, tanto assume o registo de agitador inflamado (“Feeling affronted? Blame the unwanted!” e “There’s aliens for blaming and poor folks for defaming”) como o de niilista friamente amargo (“Time will erase us, scene by scene, gone like the fragments of a dream“), mas assegura não ter pretendido criar “um álbum didactico nem pregar coisa nenhuma: não desejo agredir ninguém com o monopólio da verdade. Vejo-me mais como um parasita do que se passa no mundo do que como um influenciador”. O que não foi, de todo, impeditivo de – na companhia de veteranos dos Mansions, Microdisney e Scritti Politti mas também do inclassificável Luke Haines – ter gravado algo como uma sinistra visão de John Cale enquadrada pela elegância cinemática de David Lynch.

27 July 2021

Edit (28/07/2021) - ... e, num título, se sintetiza o pensamento idiota exactamente oposto (ainda mais idiotamente enriquecido pela "caminhada aglutinadora de admiradores e crentes" numa "luta entre demónios e a glória")
Luke Haines & Peter Buck - Beat Poetry For Survivalists

(daqui; álbum integral aqui)
A religião prejudica gravemente a sua saúde (X)

(via DT)
Bom, bom mesmo, era que a Sodona Madonna ainda por cá andasse e se deixasse convencer a gravar um videozinho em louvor do xerife local; também dava jeito uma palavrinha do "capo di tutti capi" do ludopédio (há favores que têm de ser pagos) mas, por agora, não é muito aconselhável; por isso, enquanto não se encena a "inauguração" 2.0, há que ir recorrendo aos pistoleiros a soldo do costume

26 July 2021

VINTAGE (DLXXXIV)

Bob Dylan - "Visions of Johanna"

(daqui; real. John Hillcoat)

"Inside the museums, infinity goes up on trial, voices echo, 'This is what salvation must be like after a while'"

 UM NOVO FÔLEGO
 
 
O lendário DJ britânico John Peel, admirador incondicional dos Microdisney, dizia que a voz de Cathal Coughlan – com Sean O’Hagan, o motor criativo da banda – era de tal modo sedutora que o ouviria com prazer cantar a lista telefónica (num tempo em que as listas telefónicas ainda existiam). E, citando Napoleão, definia a música do grupo irlandês como “um punho de aço dentro de uma luva de veludo”. O aço não terá sido suficientemente forte ou o veludo tão macio quanto necessário para evitar que, após 5 notáveis álbuns – especialmente, The Clock Comes Down The Stairs (1985) –, em 1988, os Microdisney se tivessem separado. O’Hagan fundaria os High Llamas, e Coughlan, durante meia década, daria vida aos Fatima Mansions. Mas as proverbiais disputas contratuais iriam impedi-lo de voltar a gravar até 2000, quando publicaria o primeiro álbum a solo, Black River Falls. O quarto e último, Rancho Tetrahedron, datava já de há 11 anos, pelo que pode dizer-se que Song of Co-Aklan é, na verdade, um novo fôlego, sob a máscara de Co-Aklan (Coughlan em escrita fonética), um avatar embrionário. (daqui; segue para aqui)

23 July 2021

Ora, ora... mais duas ou três "inaugurações" como esta e a coisa compõe-se

 "Medina bate Moedas mas sem maioria absoluta"

 
(sequência daqui) O jogo de máscaras e enganos transportar-se-ia para a Rolling Thunder Revue que, no Verão de 1975, na companhia de amigos vários – Roger McGuinn, Joan Baez, Joni Mitchell, Scarlet Rivera, Sam Shepard, Ramblin’ Jack Elliot, Mick Ronson, Ronee Blakley, Allen Ginsberg, T-Bone Burnett –, qual trupe de saltimbancos, se faria à estrada, e muito especialmente, no pseudo-documentário que, a partir daí, Martin Scorsese realizaria, repleto de falsas personagens e incidentes inventados que levariam Sam Shepard a interrogar-se: “Que estranho mundo assombrado é este que ele cria em palco, nos discos, nos filmes, em tudo aquilo que toca? Quem, afinal, é esta personagem?” Em I’m Not There, o realizador Todd Haynes responderia “Não é uma, são seis” e, em jeito de síntese, coloca na boca da última, Billy The Kid, duas afirmações que poderiam pôr fim a todas as dúvidas: “Aqui sou invisível, sou eu mesmo” e “Posso mudar durante o espaço de um dia. Quando acordo, sou uma pessoa, quando adormeço, tenho a certeza que sou já outra”.
O futuro confirmaria tudo: o Dylan que, no início, se moldara em torno da lenda militante de Woody Guthrie, a partir de 2015, durante dois álbuns simples e um triplo, deslocaria a reverência para o universo de Frank Sinatra e diversos outros "crooners" coevos; nos cerca de 100 programas da XM Radio, “Theme Time Radio Hour”, estruturado em torno de temas como o riso, a Lua, a sorte, o dinheiro, o sangue, a guerra, com intervenções de ouvintes maioritariamente "fake", ministraria um curso avançado de história da música popular; nas canções (em particular, no último álbum, Rough And Rowdy Ways), na autobiografia e mesmo no discurso de aceitação do Prémio Nobel de Literatura, não cessaria de se divertir disseminando, quais ovos de Páscoa, citações e apropriações de textos clássicos e contemporâneos, à espera de caçar quem mordesse o isco. Julian Barnes, concorrente de Bob Dylan na lista de candidatos ao Nobel no ano (2017) em que este o ganhou, muito dylanianamente, afirmou: “Se algum biógrafo me quiser biografar eu terei o poder de deixar pistas falsas”. Ao longo da vida inteira, Bob Dylan não tem feito outra coisa senão lançar-nos iscos envenenados. Mas, acerca de um ponto não deveremos nunca mais enganar-nos: a 24 de Maio, comemorou-se o 80º aniversário de Robert Allen Zimmerman. No próximo 2 de Agosto, celebram-se os 59 anos de Bob Dylan, nesse dia de 1962 registado numa conservatória de Nova Iorque. Só faltava que, na inauguração do Bob Dylan Center, em Tulsa, Dylan comparecesse à porta apenas para segredar ao ouvido dos visitantes “I’m not there”.

19 July 2021

 
(sequência daqui) Eclodira um outro Bob Dylan mas quando, em 1978, ele se declarou literalmente "born-again", nada é também muito claro. Num concerto em San Diego, um fã atirara-lhe para o palco um crucifixo de prata que guardou no bolso. Na noite seguinte, em Tucson, exausto e fisicamente doente, no quarto do hotel, levou a mão ao bolso, pôs o crucifixo ao pescoço e, instantaneamente, sentiu “a esmagadora presença de Jesus. Nascer de novo é muito duro. Já viram uma mãe a dar à luz? É uma dor imensa. Não gostamos de abandonar as nossas velhas atitudes e preocupações. Jesus pôs as suas mãos sobre mim. Foi uma coisa física. Senti-a. Todo o corpo me tremia. A glória do Senhor derrubou-me e reergueu-me”. Mas, cerca de uma década mais tarde – já tinha publicado Slow Train Coming, Saved e Shot Of Love, a trilogia "born-again" – falando sobre esse período à “Newsweek”, diria: “Encontro toda a filosofia e a religiosidade de que preciso na música. Não as encontro noutro lado qualquer. Não sigo rabis, pregadores ou evangelistas. Aprendo muito mais com as canções do que com qualquer outra entidade”
 
 
Conheceramos antes, após as fabulosas explosões de fogo de artifício verbal e sonoro de Bringing It All Back Home, Highway 61 Revisited e Blonde On Blonde (um comovido Allen Ginsberg declarararia: “o testemunho dos velhos boémios e a iluminação Beat foram passados a uma outra geração”), o Dylan empenhado em, com John Wesley Harding, abraçar uma nova via de sobriedade e austeridade, totalmente a contra-corrente do psicadelismo dominante desencadeado por Sgt. Pepper; viramo-lo mudar drasticamente de pele e de voz, qual aluno exemplar de Nashville, prestando vassalagem a Johnny Cash; embora não imediatamente, aperceberamo-nos de que, exilado com a Band na Big Pink, perto de Woodstock, enquanto se empenhava em compôr êxitos em potência para outros músicos, nas Basement Tapes ia criando aquilo sobre que Robbie Robertson diria “Isto não é o Dylan tradicionalista folk. Isto é a emergência de uma nova espécie”; surpreendera-nos quando, num período em que a persona então em cena se via acossada pelo descomprometimento político, escreveu uma canção dedicada ao Black Panther, George Jackson (assassinado na prisão de San Quentin), e que, não muito depois, tivesse repetido o gesto em relação a Rubin “Hurricane” Carter, pugilista negro injustamente preso. Dylan, porém, não deixara de ser Dylan: “A canção não tem nada a ver com boxe. É apenas sobre um pugilista. Não, nem sequer tem a ver com um pugilista”. Exactamente o mesmo (isto é, outro) Dylan que, em 1965, declarando-se inteiramente inocente de se ter vendido aos interesses comerciais, jurava que apenas o faria caso se tratasse de publicidade a lingerie feminina. Promessa cumprida: 40 anos mais tarde, ele próprio e a sua canção "Love Sick", surgiriam num anúncio televisivo da “Victoria’s Secret”. (segue para aqui)


Duplamente iletrados (ou, então, era uma contra-manifestação)

(via DdO)

16 July 2021

VINTAGE (DLXXXII)


(ver aqui)
"Like A Rolling Stone" (Live at Newport 1965)
 
(sequência daqui) É um bom ponto de partida. Porque, embora a profusão de dados, testemunhos e ângulos de visão seja avassaladora, por exemplo, a propósito do famigerado escândalo do “Bob Dylan eléctrico” no Festival de Newport de 1965, 56 anos depois, continuamos sem saber o que verdadeiramente aconteceu: o público presente ficou horrorizado, surpreso ou maravilhado? Peter Yarrow (dos Peter, Paul & Mary) jura que ficaram todos em estado de choque, como se, de súbito, “Martin Luther King aparecesse num anúncio a uma marca de cigarros”; Pete Seeger recordava que fugira “para proteger os olhos e os ouvidos. Não conseguia suportar os gritos do público nem a música mais destrutiva deste lado do Inferno”, e mais tarde, acrescentaria que não o fez mas, se tivesse um machado à mão, teria cortado os cabos da amplificação (noutras versões, fê-lo mesmo). Paul Nelson, na “Sing Out!” afiançava que Dylan “dividiu o público”; e, segundo outros, Bringing It All Back Home (o 1º album parcialmente eléctrico) e "Like A Rolling Stone" tinham sido já publicados e muita gente terá ido a Newport precisamente para escutar o novo Bob Dylan: na verdade, o motivo de desagrado seria a miserável qualidade do som.
 
"Maggie's Farm" (Live at Newport 1965)
 
De facto, já tinham tido lugar os concertos eléctricos de Lightnin’ Hopkins, Chambers Brothers e da Paul Butterfield Blues Band e ninguém se chocara particularmente. Também não parece haver consenso acerca de se, no regresso ao palco para um encore acústico, Dylan estava ou não em lágrimas, mas as palavras da canção de despedida - “Strike another match, go start anew, and it’s all over now, baby blue” – deverão ter assumido um significado especial, até porque, muito pouco depois, nada inocentemente, seria publicada "Ballad Of A Thin Man" (“Because something is happening here but you don't know what it is, do you, Mr. Jones?”). (segue para aqui)
É nestes momentos difíceis que mais se sente a falta do génio político e diplomático de Fidel Castro
 

14 July 2021

 
"Ministro cubano: 'País está em condições totalmente normais'" (ou há sempre um Mohammed Saeed al-Sahhaf/Comical Ali pronto a aparecer)

"Girl From The North Country"

(sequência daqui) Terá sido por isso que as primeiras biografias de Dylan – Song And Dance Man: The Art Of Bob Dylan, de Michael Gray, e Bob Dylan: A Biography, de Anthony Scaduto – apenas foram publicadas em 1972: orientar-se pelo meio de um labirinto de personagens em incessante mutação, encontrar um lugar seguro no interior de uma máquina geradora de mitos, descobrir um fio narrativo plausível numa “never ending play” cujo título é “Bob Dylan”, não é tarefa simples. Scaduto dizia que Dylan se havia “transformado numa personalidade antes de ter tido oportunidade para ser uma pessoa”. Echo Helstrom, namorada de Hibbing e inspiradora de "Girl From The North Country", assegurava que “ele não queria que ninguém soubesse nada dele, mesmo antes de ser famoso. Desejava que tudo continuasse a ser segredo”. Chronicles (supostamente o “Volume One” da autobiografia que aguarda há 17 anos pelo segundo tomo) aprofundou a veia para engendrar auto-retratos ambíguos e baralhar cronologias. 
 
 
Daí que, naturalmente, muito se espere do Bob Dylan Center, em Tulsa, no Oklahoma (a inaugurar a 10 de Maio do próximo ano), um museu dedicado a artefactos do seu gigantesco arquivo – milhares de horas de imagens filmadas, fitas magnéticas de audio, fotografias, cartas e blocos de notas, recortes de jornais, revistas e fãzines, "bootlegs", instrumentos e efémera vária –, algo como uma desmedida ampliação do Scrapbook publicado em 2005, onde haverá de descobrir-se o modo pelo qual, ali, “infinity goes up on trial”. A primeira consequência é The World Of Bob Dylan, um volume contendo 27 ensaios de outros tantos académicos e dylanologistas (o primeiro é, justamente, sobre a dificuldade das biografias), editado por Sean Latham, professor da universidade de Tulsa, onde é director do Institute For Bob Dylan Studies. (segue para aqui)

13 July 2021


 
Bob Dylan/Alias

Denver: [to Alias] What's your name, boy?

Alias: Alias. 

Denver: Alias what? 

Alias: Alias anything you please. 

Denver: What do we call you? 

Alias: Alias. 

Beaver: Hell, let's call him Alias! 

Alias: That's what I'd do. 

Denver: Alias it is.
 

Garrett: Who are you? 

Alias: That's a good question.
 

Alias: You could leave, you could live in Mexico. 

Billy: Could you? 

Alias : Yeah. I could live anywhere. I could leave anywhere too. (aqui)

Polly Paulusma - Invisible Music: Ten Short Videos (VII)


Bonnie 'Prince' Billy & Matt Sweeney - "Resist the Urge"

11 July 2021

Pat Garrett & Billy the Kid - Sam Peckinpah (1973)

(sequência daqui) Quando Robert Shelton, a propósito do concerto de 29 de setembro de 1961 no Gerde’s Folk City, escreveu, no “New York Times”, a crítica qua daria a conhecer Dylan ao mundo, descreveu-o como “o cruzamento entre um menino de côro e um beatnik” e acrescentou: “Mr. Dylan é bastante vago acerca dos seus antecedentes e do local onde nasceu mas por onde andou é muito menos importante do que para onde se dirige. E isso parece ser ‘para cima’”. Não supunha quão certo estava. Desse momento em diante, Bob Dylan não apenas se desdobraria em múltiplos pseudónimos – Blind Boy Grunt (numa compilação da revista “Broadside” e num álbum de Richard Farina e Eric Von Schmidt), Tedham Porterhouse (ao lado de Ramblin’ Jack Elliot), Boblandy (no álbum The Blues Project), Robert Milkwood Thomas (em Somebody Else’s Troubles, de Steve Goodman), Boo Wilbury (nos Travelling Wilburys), Jack Frost (produtor de Under The Red Sky, Time Out Of Mind e Love And Theft), Sergei Petrov (co-argumentista com Larry Charles, no filme Masked and Anonymous) e, mais significativamente, Alias (personagem de Pat Garrett & Billy the Kid, de Sam Peckinpah) – como todo o seu trajecto seria uma sucessão de partidas e chegadas, de episódios equívocos, de jogos de espelhos, de saltos de uma para outra versão da sua história, de criação e extermínio de personas. (segue para aqui)
Safámo-nos mesmo de boa!...  
(embora não totalmente)
"(...) A Escola Mínima privilegia os saberes meramente funcionais, úteis ao precariado, simulando uma certificação formal que o mercado de trabalho qualificado não reconhecerá. A Escola Mínima nunca poderá ser um 'elevador social', porque abdicou em definitivo de elevar, preferindo nivelar por baixo. (...)" (aqui)
Algumas daquelas coisas "que não eram conhecidas" embora, há três anos, fossem já tudo menos desconhecidas

09 July 2021

 
(sequência daqui) Tudo fica um pouco mais claro quando recordamos o que, em 1964, escreveu em "My Back Pages”: “Ah, but I was so much older then, I'm younger than that now". De facto, nessa altura, Bob Dylan existia há apenas 5 anos. Surgira quando, em 1959, Robert Zimmerman, estudante irregular da universidade do Minnesota, em Minneapolis, tinha começado a frequentar os cafés da zona boémia de Dinkytown onde a folk music estava incluída na ementa (“Ainda em Hibbing, tinha ouvido um disco de Leadbelly, na Folkways. Ali mesmo, aquele disco mudou a minha vida. Transportou-me para um mundo de que ignorava tudo. Foi como uma explosão”). Apresentava-se como Bob Dylan pelo motivo que, em 2004, explicaria: “Acontece muitas vezes nascermos com o nome errado ou na família errada. Mas podemos escolher o nome que quisermos. Vivemos num país livre!”. A futura namorada, Suze Rotolo, ainda não o fizera ler Rimbaud mas algo lhe dizia já que “je est un autre” (quando, enfim, o leu, “Todas as campaínhas começaram a tocar. Aquelas palavras faziam perfeito sentido”).


Antes fora Elston Gunn (quando tocou piano num álbum de Bobby Vee) e, para o miúdo que, no liceu, fizera parte de bandas tão supremamente ignoradas como The Jokers, The Shadow Blasters, The Golden Chords e The Rock Boppers, e, no livro de curso, confessara a ambição de “tocar com Little Richard", tudo parecia no caminho certo. Na verdade, o único emprego que tivera após acabar o liceu fora o de empregado de mesa num restaurante, em Fargo, embora, mais tarde, contasse que sonhara ser militar (“Via-me muito mais a morrer numa batalha heróica do que na cama”). Porém, quando chegou a Nova Iorque, em 1961, estava já possuido pelo espírito de Woody Guthrie: andava, falava e cantava como ele, mimetizava-lhe o sotaque "okie", e até os tiques e espasmos musculares da coreia de Huntington que, em breve, poria fim à vida do autor de "This Land Is Your Land". Em Minneapolis, um" beatnik", David Whittaker, emprestara-lhe Bound For Glory, a auto-biografia semi-ficcional de Woody, Dylan – cada vez mais distante de um Zimmerman prestes a extinguir-se – apropriou-se dela (“The book sang out to me, like the radio”) e, segundo Rotolo, “desenvolveu a sua própria versão de um trovador errante, no molde de Guthrie”. O descendente de judeus russos e lituanos emigrados para os EUA no início do século XX, filho de uma família de pacatos pequenos comerciantes, saía de cena e cedia o lugar a uma personagem que faria de “I’m not there” o seu lema. (segue para aqui)
"O contexto onde muitas destas coisas não eram conhecidas" (na verdade, um "cenário onde não falta(va)m casos de justiça") é exactamente o mesmo onde várias outras mentirolas esvoaçam  (e tudo isto é tão, mas tão fetidamente "socrático"...)
(ler juntamente com este)

08 July 2021

E que tal se a ululante turba jornaleira, em vez de andar a filmar carrinhas que entram e saem de garagens e, de microfone histérico na mãozinha, a interrogar "como é que ele se sente?", fizesse as perguntas certas às pessoas certas?
Porque é que esta foto parece tão mais autêntica do que esta?

(e não, não é só por esta estar escandalosamente carregada de photoshop)

07 July 2021

VINTAGE (DLXXXI)

Black Box Recorder - Passionoia

(daqui; álbum integral aqui)
Do ludopédio, à linguística e à disputa entre duas casas reais do Gallus gallus domesticus, o mundo é um lugar maravilhoso!
Por outro lado, do prof, pode, sem dúvida, dizer-se que é bastante tapado
 
Nota: há um século, já alguém tivera problema semelhante embora de infinitamente maior transcendência

JOGOS DE ESPELHOS


Para o concerto que, na sexta-feira 12 de abril de 1963, apresentaria no Town Hall de Nova Iorque, Bob Dylan fez imprimir no programa um poema, “My Life In A Stolen Minute”. Aí, referindo-se à pequena cidade do Minnesota onde crescera, dizia: “Hibbing’s a good ol’ town, I ran away from it when I was 10, 12, 13, 15, 151/2, 17 an’ 18, I been caught an’ brought back all but once.” É o ponto de partida para uma longa enumeração de proezas e infortúnios — prisões por suspeita de homicídio e roubo à mão armada, viagens em comboios de mercadorias e à boleia, entre o Texas, o Mississípi, a Califórnia, o Oregon, o Novo México, o Wisconsin e a Luisiana, noites ao relento, tareias por motivo nenhum — que desemboca numa explicação do que o conduzira aquele palco: “I started doing what I’m doing, I can’t tell you the influences ’cause there’s too many to mention an’ I might leave one out, an’ that wouldn’t be fair, Woody Guthrie, sure, Big Joe Williams, yeah, it’s easy to remember those names, but what about the faces you can’t find again, what about the curbs an’ corners an’ cut-offs that drop out a sight an’ fall behind, what about the records you hear but one time, what about the coyote’s call an’ the bulldog’s bark (…) Open up yer eyes an’ ears an’ yer influenced an’ there’s nothing you can do about it.”

 

Noutras ocasiões, relataria a sua história de pobre órfão do Novo México, obrigado a trabalhar em circos ambulantes e feiras como empregado de limpezas e responsável pela grande roda, e que, uma vez chegado a Nova Iorque, para alimentar uma dependência de heroína que lhe custava 25 dólares por dia, se vira forçado à condição de prostituto, ao serviço de clientes de todos os géneros e preferências. Essa seria, certamente, a biografia — uma das muitas biografias possíveis — de Bob Dylan. Mas não era, de todo, a de Robert Allen Zimmerman, nascido a 24 de maio de 1941, em Duluth, no Minnesota. (daqui; segue para aqui)

06 July 2021