19 July 2021

 
(sequência daqui) Eclodira um outro Bob Dylan mas quando, em 1978, ele se declarou literalmente "born-again", nada é também muito claro. Num concerto em San Diego, um fã atirara-lhe para o palco um crucifixo de prata que guardou no bolso. Na noite seguinte, em Tucson, exausto e fisicamente doente, no quarto do hotel, levou a mão ao bolso, pôs o crucifixo ao pescoço e, instantaneamente, sentiu “a esmagadora presença de Jesus. Nascer de novo é muito duro. Já viram uma mãe a dar à luz? É uma dor imensa. Não gostamos de abandonar as nossas velhas atitudes e preocupações. Jesus pôs as suas mãos sobre mim. Foi uma coisa física. Senti-a. Todo o corpo me tremia. A glória do Senhor derrubou-me e reergueu-me”. Mas, cerca de uma década mais tarde – já tinha publicado Slow Train Coming, Saved e Shot Of Love, a trilogia "born-again" – falando sobre esse período à “Newsweek”, diria: “Encontro toda a filosofia e a religiosidade de que preciso na música. Não as encontro noutro lado qualquer. Não sigo rabis, pregadores ou evangelistas. Aprendo muito mais com as canções do que com qualquer outra entidade”
 
 
Conheceramos antes, após as fabulosas explosões de fogo de artifício verbal e sonoro de Bringing It All Back Home, Highway 61 Revisited e Blonde On Blonde (um comovido Allen Ginsberg declarararia: “o testemunho dos velhos boémios e a iluminação Beat foram passados a uma outra geração”), o Dylan empenhado em, com John Wesley Harding, abraçar uma nova via de sobriedade e austeridade, totalmente a contra-corrente do psicadelismo dominante desencadeado por Sgt. Pepper; viramo-lo mudar drasticamente de pele e de voz, qual aluno exemplar de Nashville, prestando vassalagem a Johnny Cash; embora não imediatamente, aperceberamo-nos de que, exilado com a Band na Big Pink, perto de Woodstock, enquanto se empenhava em compôr êxitos em potência para outros músicos, nas Basement Tapes ia criando aquilo sobre que Robbie Robertson diria “Isto não é o Dylan tradicionalista folk. Isto é a emergência de uma nova espécie”; surpreendera-nos quando, num período em que a persona então em cena se via acossada pelo descomprometimento político, escreveu uma canção dedicada ao Black Panther, George Jackson (assassinado na prisão de San Quentin), e que, não muito depois, tivesse repetido o gesto em relação a Rubin “Hurricane” Carter, pugilista negro injustamente preso. Dylan, porém, não deixara de ser Dylan: “A canção não tem nada a ver com boxe. É apenas sobre um pugilista. Não, nem sequer tem a ver com um pugilista”. Exactamente o mesmo (isto é, outro) Dylan que, em 1965, declarando-se inteiramente inocente de se ter vendido aos interesses comerciais, jurava que apenas o faria caso se tratasse de publicidade a lingerie feminina. Promessa cumprida: 40 anos mais tarde, ele próprio e a sua canção "Love Sick", surgiriam num anúncio televisivo da “Victoria’s Secret”. (segue para aqui)

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