COM UM CÃO DEITADO NO CHÃO
“O processo de aprendizagem para os artistas de todos os géneros segue habitualmente a via da imitação, assimilação e inovação. (...) Por vezes, se algo, por algum motivo, se revela impossível de replicar, o artista procura descobrir outro caminho – é a inovação por defeito. (...) Era óbvio que Bob Dylan era um inovador. Esforçava-se para aprender o seu ofício, para imprimir um cunho próprio à música. (...) Aqui e ali, reconhecia possíveis influências. Uma noite, entrou pelo Kettle Of Fish dentro, acenando com uma folha de papel: ‘Têm de ouvir esta canção que acabei de escrever! Escrevi-a ou, pelo menos, julgo que a escrevi... mas posso tê-la escutado algures’”, conta Suze Rotolo, a namorada de Dylan nos seus primeiros anos nova-iorquinos, em A Freewheelin’ Time: A Memoir of Greenwich Village in the Sixties (2008).
Em 1967, Dylan havia já completado a aprendizagem – Bringing It All Back Home (1965), Highway 61 Revisited (1965) e Blonde On Blonde (1966) eram bem mais do que licenciatura, mestrado e doutoramento – mas, quando, após o famigerado acidente de moto do ano anterior, decidiu, em pleno Summer Of Love, exilar-se com a família, em Woodstock, na companhia da Band (ainda, então, apenas o grupo de músicos, ex-The Hawks, que o havia acompanhado em tournée), a atitude colectiva foi, essencialmente, a de uma descontraída cimeira de académicos da música popular norte-americana para revisões da matéria: ao universo poético e sonoro do tempo para cuja criação contribuíra, preferia, agora, intermináveis "jams" em torno das memórias de Hank Williams, Johnny Cash, Brendan Behan, John Lee Hooker, Curtis Mayfield, Patsy Cline ou Fats Domino, no cenário ideal de “uma atmosfera tranquila, uma cave com as janelas abertas e um cão deitado no chão” em que ele “actuaria como um médium numa sessão espírita, procurando captar o mistério, a magia e a verdade da grande música tradicional” e, por improváveis atalhos, oferecendo-lhe uma possibilidade de reconfiguração.
O resultado final, só hoje finalmente disponível na totalidade, desaguou em 17 bobinas engarrafadas com 138 canções (completas, em múltiplas "takes", apenas fragmentárias), quase metade versões de clássicos ou obscuridades. Na realidade, pouco ou nada é verdadeiramente inédito. Longamente aferrolhado nos cofres da Columbia até à primeira publicação, em 1975, das mui peneiradas Basement Tapes, o espólio transformou-se num dos mais lendários "bootlegs" que, em sucessivas encarnações – Great White Wonder (1969), Blind Boy Grunt & The Hawks (1986), The Genuine Basement Tapes (1992) A Tree With Roots (2001), Mixing Up The Medicine (2009) – acabaria por revelar praticamente todas as canções que as edições oficiais ou bandas como os Byrds, Band, Manfred Mann, Julie Driscoll & Brian Auger ou Fairport Convention ainda não tinham tornado públicas. A preciosidade legalizada (em versão “Raw”, de 2 CD, ou “Complete”, de 6) intitula-se The Bootleg Series Vol. 11: The Basement Tapes Complete e será, sem dúvida, merecido objecto de veneração. Mas a aura corsária já não está lá.
Em 1967, Dylan havia já completado a aprendizagem – Bringing It All Back Home (1965), Highway 61 Revisited (1965) e Blonde On Blonde (1966) eram bem mais do que licenciatura, mestrado e doutoramento – mas, quando, após o famigerado acidente de moto do ano anterior, decidiu, em pleno Summer Of Love, exilar-se com a família, em Woodstock, na companhia da Band (ainda, então, apenas o grupo de músicos, ex-The Hawks, que o havia acompanhado em tournée), a atitude colectiva foi, essencialmente, a de uma descontraída cimeira de académicos da música popular norte-americana para revisões da matéria: ao universo poético e sonoro do tempo para cuja criação contribuíra, preferia, agora, intermináveis "jams" em torno das memórias de Hank Williams, Johnny Cash, Brendan Behan, John Lee Hooker, Curtis Mayfield, Patsy Cline ou Fats Domino, no cenário ideal de “uma atmosfera tranquila, uma cave com as janelas abertas e um cão deitado no chão” em que ele “actuaria como um médium numa sessão espírita, procurando captar o mistério, a magia e a verdade da grande música tradicional” e, por improváveis atalhos, oferecendo-lhe uma possibilidade de reconfiguração.
O resultado final, só hoje finalmente disponível na totalidade, desaguou em 17 bobinas engarrafadas com 138 canções (completas, em múltiplas "takes", apenas fragmentárias), quase metade versões de clássicos ou obscuridades. Na realidade, pouco ou nada é verdadeiramente inédito. Longamente aferrolhado nos cofres da Columbia até à primeira publicação, em 1975, das mui peneiradas Basement Tapes, o espólio transformou-se num dos mais lendários "bootlegs" que, em sucessivas encarnações – Great White Wonder (1969), Blind Boy Grunt & The Hawks (1986), The Genuine Basement Tapes (1992) A Tree With Roots (2001), Mixing Up The Medicine (2009) – acabaria por revelar praticamente todas as canções que as edições oficiais ou bandas como os Byrds, Band, Manfred Mann, Julie Driscoll & Brian Auger ou Fairport Convention ainda não tinham tornado públicas. A preciosidade legalizada (em versão “Raw”, de 2 CD, ou “Complete”, de 6) intitula-se The Bootleg Series Vol. 11: The Basement Tapes Complete e será, sem dúvida, merecido objecto de veneração. Mas a aura corsária já não está lá.
2 comments:
Sempre é melhor um gato na ama que um cão no chão:
http://www.boredpanda.com/japanese-cat-bed-ikea-duktig/
:-)
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