23 July 2021

 
(sequência daqui) O jogo de máscaras e enganos transportar-se-ia para a Rolling Thunder Revue que, no Verão de 1975, na companhia de amigos vários – Roger McGuinn, Joan Baez, Joni Mitchell, Scarlet Rivera, Sam Shepard, Ramblin’ Jack Elliot, Mick Ronson, Ronee Blakley, Allen Ginsberg, T-Bone Burnett –, qual trupe de saltimbancos, se faria à estrada, e muito especialmente, no pseudo-documentário que, a partir daí, Martin Scorsese realizaria, repleto de falsas personagens e incidentes inventados que levariam Sam Shepard a interrogar-se: “Que estranho mundo assombrado é este que ele cria em palco, nos discos, nos filmes, em tudo aquilo que toca? Quem, afinal, é esta personagem?” Em I’m Not There, o realizador Todd Haynes responderia “Não é uma, são seis” e, em jeito de síntese, coloca na boca da última, Billy The Kid, duas afirmações que poderiam pôr fim a todas as dúvidas: “Aqui sou invisível, sou eu mesmo” e “Posso mudar durante o espaço de um dia. Quando acordo, sou uma pessoa, quando adormeço, tenho a certeza que sou já outra”.
O futuro confirmaria tudo: o Dylan que, no início, se moldara em torno da lenda militante de Woody Guthrie, a partir de 2015, durante dois álbuns simples e um triplo, deslocaria a reverência para o universo de Frank Sinatra e diversos outros "crooners" coevos; nos cerca de 100 programas da XM Radio, “Theme Time Radio Hour”, estruturado em torno de temas como o riso, a Lua, a sorte, o dinheiro, o sangue, a guerra, com intervenções de ouvintes maioritariamente "fake", ministraria um curso avançado de história da música popular; nas canções (em particular, no último álbum, Rough And Rowdy Ways), na autobiografia e mesmo no discurso de aceitação do Prémio Nobel de Literatura, não cessaria de se divertir disseminando, quais ovos de Páscoa, citações e apropriações de textos clássicos e contemporâneos, à espera de caçar quem mordesse o isco. Julian Barnes, concorrente de Bob Dylan na lista de candidatos ao Nobel no ano (2017) em que este o ganhou, muito dylanianamente, afirmou: “Se algum biógrafo me quiser biografar eu terei o poder de deixar pistas falsas”. Ao longo da vida inteira, Bob Dylan não tem feito outra coisa senão lançar-nos iscos envenenados. Mas, acerca de um ponto não deveremos nunca mais enganar-nos: a 24 de Maio, comemorou-se o 80º aniversário de Robert Allen Zimmerman. No próximo 2 de Agosto, celebram-se os 59 anos de Bob Dylan, nesse dia de 1962 registado numa conservatória de Nova Iorque. Só faltava que, na inauguração do Bob Dylan Center, em Tulsa, Dylan comparecesse à porta apenas para segredar ao ouvido dos visitantes “I’m not there”.

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