16 November 2009

PLUS BEAU QU'UN URINOIR DE MARCEL DUCHAMP, BÉBÉ


Vincent Delerm - Quinze Chansons

Quantos anos ainda será necessário esperar até que, como aconteceu com Gainsbourg, o mundo inteiro, boquiaberto, descubra a obra de Vincent Delerm? E – como se demonstrou, no caso do próprio Gainsbourg – se é verdade que o obstáculo de um idioma-espécie-em-via-de-extinção (na definição da francófila Jane Birkin) poderá justificar algumas dificuldades, não é, definitivamente, nenhuma muralha da China capaz de manter a discografia dos grandes "chansonniers" eternamente isolada do mundo não fluentemente falante da língua de Rimbaud.



Quinze Chansons, não sendo, possivelmente, coisa da estatura do assombroso Kensington Square, de 2004 – mas também, álbuns como esse, não se tiram da manga todos os dias – é, porém, mais outra magnífica exibição do que, sem dúvida, já só se poderá designar como o "Delerm-touch": pop de filigrana, do minimalismo absoluto ao ragtime e ao barroco, estojo cintilante para o obsessivo e virtuosístico name-dropping, capaz de alinhar, sem pausa para respiração, “je n’irais pas dans les musées, le tout début d’une histoire est plus beau qu’un urinoir de Marcel Duchamp, bebé”, de refazer a comparação com “le tout début d’une histoire est meilleur qu’un vieux Godard, un popcorn climatisé” e, logo a seguir, desenhar puríssimos instantes zen em “les italiennes sont malheureuses quand les italiens ont un malheur, souvent le coeur des volleyeuses bat plus fort pour les volleyeurs” ou “un tacle de Patrick Vieira n’est pas une truite en chocolat”.

(2009)

2 comments:

Jorge Mourinha said...

Não é - hélas! - mesmo nada tão assombroso como os três anteriores. No entanto, como não resistir a "comme un chômeur foutu dans un film de Ken Loach, comme un libraire barbu dans une commune de gauche"? Ou àquele maravilhoso fotograma de Coheniana devota chamado "From a Room"?

João Lisboa said...

A sabedoria fala pela vossa boca, insigne vate.