Há três anos, a propósito da publicação de Contrepoint, de Nicolas Godin (metade dos Air), no qual este se dedicava a fazer definhar a complexa geometria sonora de Bach vertida em suave musiquinha de elevador, pareceu-me justo evocar a extensa – mas não exaustiva – lista de vítimas implacavelmente espezinhadas pela pesada bota do chamado rock-sinfónico-progressivo. Recorde-se apenas que, perante os tribunais de uma Nuremberga musical, como principais réus, haveriam de comparecer, inevitavelmente (entre muitos outros), The Nice/Emerson, Lake & Palmer, responsáveis pelo martírio de Leonard Bernstein, Copland, Sibelius, Janáček, Ravel, Prokofiev, Bach, Tchaikovsky, Ginastera, Bartók e Mussorgsky. Nenhum desses supliciadores se furtará, entretanto, a ficar para a história senão na qualidade de membros de uma “agremiação de modestos calceteiros sonhando com a arquitectura de catedrais” (que, então, julguei oportuno criar).
Anna Meredith seguiu um percurso inverso: com "pedigree" académico da York University e do Royal College of Music, de Londres, foi compositora residente da BBC Scottish Symphony Orchestra e da Sinfonia Viva, de Derby. Mas não tardou que se atrevesse a compor concertos para "beatboxer" e orquestra ou inspirados no universo sonoro das Ressonâncias Magnéticas, para estações de serviço britânicas e jardins de Hong Kong, e, incorporando tudo isso e o apetite pela electrónica, a publicar Varmints (2016), exuberante fuga através de um labirinto de música de câmara, pop, techno e um pouco de tudo à volta. Não deveremos querer-lhe mal – muito pelo contrário – por, colocada perante a possibilidade de, com o Scottish Ensemble, recriar As Quatro Estações, de Vivaldi, ter reagido qual gato assanhado: “Senti-me como se me tivessem proposto que trabalhasse sobre o logotipo do McDonald's!... Não há peça musical mais conhecida do que essa. Respondi que não o faria, nem sequer lhe tocaria com a ponta dos dedos”. Persuasivamente, Jonathan Morton, do Ensemble, fá-la-ia mudar de ideias: o velho cavalo de batalha barroco seria convenientemente retalhado e reconstituído, as parcelas sobreviventes reconfiguradas e articuladas por novo tecido conjuntivo electro-acústico e, sem conflito histórico-estilístico demasiado escandaloso, ressuscitado para o século XXI – sob a designação de Anno – com o apoio (ao vivo) das imagens da irmã de Anna, Eleanor Meredith. Não era indispensável. Mas, a ter de ser, antes assim.
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