30 August 2016

QUASE


Mesmo no final do ano passado, não pude deixar de registar aqui um inesperado "meeting of the minds" entre mim e o psiquiatra José Gameiro, a propósito da assombrosa experiência musical/sonora que é ser submetido a uma Ressonância Magnética Nuclear (RMN). A quase totalidade do mundo discorda violentamente de nós e permanece absolutamente convicta de que existem, de certeza, seriíssimas razões para precisarmos de uma RMN ao cérebro. Nesse “quase” habita, porém, Anna Meredith que, há seis anos, em colaboração com a compositora electrónica Mira Calix, o neurocientista Vincent Walsh, o laboratório visual Loop.pH e a Aurora Orchestra, apresentou, em Suffolk, “Brainwaves”, um concerto/performance/instalação, inspirado, justamente, no universo sonoro das RMN. Produto académico certificado pela York University e o Royal College of Music, ex-compositora residente da BBC Scottish Symphony Orchestra, Meredith é, no entanto, o género de criatura perfeitamente capaz de compor para bancos de jardim de Hong Kong, "sleep pods" de Singapura, desfiles de moda e estações de serviço da M8 britânica. Enquanto, em paralelo, colabora com Anna Calvi, Laura Marling, Goldie, James Blake ou These New Puritans.



Após dois EP a solo – Black Prince Fury (2012) e Jet Black Raider (2013) –, era praticamente inevitável que, mais cedo ou mais tarde, aspirasse ao maior fôlego de um álbum. Já aí está: Varmints, exercício algo (mas não demasiado) björkiano de intersecção entre pop, música de câmara e electrónica, deambula pelo meio de frenéticas fantasias alternativas para jogos de video "vintage", vertiginosas cargas de cavalaria digital, encantamentos xamânicos vertidos sobre enxames de besouros sonâmbulos, ondulantes mantras zen para metrónomos taquicárdicos e, sim, duas ou três tentativas de encapsular tudo isso no formato-canção que (à excepção de "Taken", lugar geométrico onde Steve Reich, Young Marble Giants e Nirvana se saudam) é o ponto sobre o qual Meredith não tem ainda pulso suficientemente firme. Regressando, entretanto, às experiências sonoras singulares, informa-se que, em Vale Del Rei, algures no Algarve, poderá desfrutar-se de concertos vocais de dezena e meia de canídeos, ricos de massas corais, apontamentos solísticos e vibrantes "ostinati" rítmicos, intervalados por pausas de silêncio rural cageano.

3 comments:

alexandra g. said...

"ostinati", que palavra linda. Se fosse uma produtora de vermutes, seria este o nome - plural, sim :) - no rótulo, desenhado pelo meu maninho das B.A.

João Lisboa said...

Obstinados. Não confundir com obstipados.

:-)

alexandra g. said...

Ninguém confundiu, Johnny, primo :)