O SEGUNDO PASSO DO GIGANTE
Momento histórico na coisa pop: reedição integralíssima de tudo quanto os Young Marble Giants ofereceram ao mundo entre 1980 e 1981 – essencialmente o lendário álbum único, Colossal Youth, EP, singles e registos de rádio – e anúncio da reunião iminente de Alison Statton, Stuart, Philip e (agora também) Andrew Moxham com o objectivo de publicar o sebastianicamente aguardado sucessor desse paradigma do minimalismo pop que, durante quase três décadas, serviu de farol a inúmeras bandas. Stuart Moxham encarrega-se da recapitulação do passado e faz-se portador da boa nova.
Quando, em 1980, gravaram o vosso único álbum, faziam alguma ideia da ressonância que, quase trinta anos depois, ele continuaria a ter?
Antes de o gravarmos, não. Mas, quando concluímos a gravação, ficámos com a certeza de que tínhamos feito um bom trabalho, embora não sonhássemos que tudo isto iria acontecer.
De qualquer modo, ao conceberem um álbum que ia tão a contracorrente da atmosfera musical da época, do que a antecedia e até do que viria a seguir, deverão tê-lo feito de uma forma bastante deliberada...
Sem dúvida. Nessa altura, eu tinha 25 anos, estava desempregado e não desejava uma carreira profissional. Esta era a única possibilidade de fazer alguma coisa da minha vida. Vivíamos no País de Gales – que, no que à indústria discográfica dizia respeito, era inexistente – o que constituía uma enorme desvantagem. Por isso, a dedicação e a concentração que tivemos de reunir para gravar aquele álbum foram gigantescas.
Mas, quanto à música em si mesma – tão minimal, tão despojada, apenas com as partículas essenciais de que ela se pode construir e absolutamente nada mais –, partiram de algumas referências ou pensaram realmente em recomeçar a partir do zero?
Naturalmente, nós escutávamos a música que se fazia e parecia-nos extraordinariamente conservadora. Como dizia o George Bernard Shaw, oitenta por cento de todas as coisas é sempre lixo, o que, no caso particular da música popular, é especialmente verdadeiro: é uma área de horizontes muito estreitos, quase diria não criativa. A maioria dedica-se a ela pelas razões erradas: para arranjar namoradas, drogas, dinheiro e ser venerado como um herói. Não para rasgar fronteiras ou avançar culturalmente que é aquilo que me interessa. Gostava muito de ler e sonhava ser romancista mas alguém me pôs uma guitarra nas mãos e tornei-me “songwriter”. O minimalismo de Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, parecia-me muito sexy, muito atraente, oferecia muito espaço para a imaginação. As pessoas de Cardiff têm uma atitude muito terra-a-terra de se agarrarem à essência das coisas em detrimento do que é supérfluo. Essa é uma das razões para a música dos YMG ser como foi. Por outro lado, não tínhamos um tostão, tínhamos de tocar com instrumentos e equipamento emprestados o que era uma grande limitação.
Para além disso, tinham, no entanto, alguns pontos de referência musicais?
Para mim, os Beatles serão sempre número um, antes de quaisquer outros. Mas também Brian Eno, Kraftwerk, Devo, Bowie do período de Berlim, Can.
Uma das razões para o culto em torno dos YMG decorre de terem gravado um único álbum. Independentemente das razões por que se separaram, pensa que o tempo de vida do grupo poderia ter sido maior e que poderia ter publicado outros discos?
Poderia e, aliás, vamos fazê-lo, voltámos a reunir-nos O meu irmão mais novo, Andrew, entrou para o grupo, agora somos quatro. Estou a escrever novas canções e estamos a preparar-nos para gravar o segundo álbum. Mas, nessa altura, tínhamos pouco mais do que saiu em Colossal Youth. Como nunca ninguém de Gales tinha tido qualquer sucesso, não acreditámos que poderíamos ir a algum lado. Além de que também não queria voltar a trabalhar com a Alison o que – reconheço agora – era uma atitude bastante imatura. Se era eu quem escrevia oitenta por cento do reportório, por que não gravar eu as minhas próprias canções? O Phil e a Alison viviam juntos, eu vivia com a Wendy Smith, tendíamos a afastar-nos.
Parece que nunca gostou muito do álbum – Embrace The Herd – que, depois do final dos YMG, gravou sob o designação de The Gist... eu sempre o achei muito bom...
Na verdade, recentemente, comecei a gostar mais dele. Quando o gravei, sentia-me muito, muito infeliz, tinha a sensação de estar a bordo de um cruzador que se está a afundar, o que deve ter influenciado a forma como o encarei.
Em Rip It Up And Start Again, no capítulo que dedica aos YMG, Simon Reynolds cita-o quando, a propósito da votação de Alison pelos leitores do “NME” para o top-10 das vocalistas de 1980, você terá afirmado: “Mas a Alison não é uma cantora! Ela é só uma pessoa que canta como se estivesse na paragem, à espera do autocarro. Uma cantora a sério tem um muito maior domínio sobre a voz”. Isso era uma crítica ou um elogio?
Nem uma coisa nem outra, era o que eu pensava na altura. Antes de mais, não a queria no grupo, tinha ciúmes do lugar que ela ocupava no coração do meu irmão (aqui estamos a ir muito fundo na história familiar...). As bandas são como casamentos com mais de duas pessoas, uma coisa muito complicada. Eu era um tipo muito confuso, era tudo demasiado emocional.
Isso é muito Nico vs. Lou Reed e John Cale...
(risos) Sim, sim. Tenho a certeza que se passa o mesmo em todos os grupos.
Parece-lhe que, tanto nas suas gravações posteriores como nas de Alison (com os Weekend ou a solo), persistiu algum do espírito original dos YMG?
Acerca das dos outros não falo, mas, nas minhas, penso que sim. Embora, gradualmente, tenha tendido para usar menos a guitarra eléctrica e mais a acústica. Uma coisa é certa: nunca desejei escrever a mesma canção duas vezes.
Como irá ser, então, a segunda encarnação dos YMG?
Essa é a pergunta do milhão de dólares que eu tenho feito a todos! (risos) Até agora, gravámos só uma canção. Ainda não nos reunimos realmente para decidir como o fazer o que deverá acontecer nas próximas semanas.
O facto de, agora, poderem dispor de maiores recursos não vos fará correr o risco de perder todo aquele despojamento de Colossal Youth?
Penso que, entre nós os três, há uma estética que se mantém activa. Durante estes anos, todos fizemos coisas diferentes que poderemos colocar em cima da mesa.
Mas é esse mesmo o perigo: poderem incorporar mais elementos ao contrário do lema de Colossal Youth que era “less is more”...
É aí que o nosso gosto, a nossa estética terá de intervir. Somos quem somos, temos as capacidades que temos e não publicaremos nada a menos que fiquemos verdadeiramente entusiasmados com o que fizemos. A última coisa que desejaríamos era estragar o que fizemos antes ou tornarmo-nos numa banda nostálgica dos anos 80. (2007)
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