11 June 2007

É A CANÇÃO, ESTÚPIDO!



The Go-Betweens - Oceans Apart




Andrew Bird - The Mysterious Production Of Eggs




Laura Veirs - Year Of Meteors

Cai um aguaceiro fino de guitarras e, por entre as gotas, escuta-se a voz de Grant McLennan que canta "What would you do if you turned around and saw me beside you, not in a dream but in a song? Would you float like a phantom or would you sing along?". Entra um sinuoso arranjo de cordas e um assobio morriconiano e Andrew Bird explica-nos "Turn on the history channel and ask our esteemed panel why are we alive and here's how they replied: you're what happens when two substances collide and, by all accounts, you really should've died". Laura Veirs sugere "To dress up your wounds, wash off the salt, freshen the blooms at your sea-rusted altar" e a melodia dissolve-se pelo meio de um motivo de violino hipnótico e de fortuitos vapores electrónicos. Oceans Apart mergulha em tons de cobalto no poço da memória, The Mysterious Production Of Eggs ensaia a estética mil-folhas de um Kafka sorridente, Year Of Meteors inventa a impossível bissectriz entre Suzanne Vega, Walt Whitman e meia dúzia de resíduos da vanguarda nova-iorquina.



E, generosamente distribuida pelos três — intacta, barroca, esquartejada, luminosamente polida —, aquilo de que sempre se fez a quintessência da matéria-pop: canções, isto é, literatura em solução homeopática, a história toda da música no rectângulo de um telegrama, o universo inteiro em três minutos. Sabe-se o que é necessário (limpar, excluir, desbastar tudo o que não é imprescindível, inverter o processo, recomeçar de novo) mas a excelência na aplicação do método não está ao alcance de todos. Até porque existe um método e mil formas de o executar.



Robert Forster e Grant McLennan praticam a a arte da marcenaria rústica, a melodia enxuta, a geometria simples das guitarras e a ginástica do epigrama ("Why do people who read Dostoievsky always look like Dostoievsky?"), só de vez em quando se aventuram no fogo de artifício beatleano ("Darlinghurst Nights"), mas, em cada álbum, autorizam-nos sempre o privilégio sem preço de, à meia-luz, espreitar, para três ou quatro páginas privadas onde alguém, por algum motivo, confessa "I need the touch of fingers on my skin, then the sunrise seeks you through a maze of dragons and drops its touch on the fir trees in the wind". Andrew Bird é o "jongleur" de enigmas consumado: numa mão, equilibra as partituras de Brian Wilson, da Disney-pop, de Jobim, na outra, desenha círculos com as de Paul Simon, George Martin, Jim O'Rourke. E, saltando através do aro em chamas, no interior de uma melodia violeta, interroga-nos "I just can't remember which way the east wind blows, does it matter? If we're all matter, what's it matter, does it matter, if we're all matter when we're done?". Aí, reparamos que há muito ninguém nos oferecera nada semelhante.



Laura Veirs, essa, tem ascendência. Ilustre: a das meteóricas Brenda Kahn (de Epiphany In Brooklyn) e Barbara Gosza (de Beckett & Buddha), a da Suzanne Vega de 99.9Fº, alguma coisa de Cat Power ou de Sam Phillips. Tudo isso, porém, decantado e destilado para uma pop translúcida que se transforma com facilidade em folk assimétrica e se deixa rasgar de bom grado por aquele tipo de abstracções e labaredas sonoras onde se refugiam iluminações como "slain by your zirconium smile, I was slain by your olivine eyes, slain I was lying in piles, hoping shovels would cast me, furnaces burn everlasting, black tattoos of you unto me". (2006)

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