SEM RESPOSTAS
Como propôs o jovem Leonard Cohen , no título do primeiro livro de poemas, onze anos antes de publicar o álbum inicial, “comparemos mitologias”. A sua e a de Bob Dylan, por exemplo. Recordam-se da que é, possivelmente, a mais aterradora canção que este escreveu, "Death Is Not The End"? Aquela em que canta “When you're sad and when you're lonely and you haven't got a friend, just remember that death is not the end”? E insistia: “When all that you held sacred falls down and does not mend, just remember that death is not the end”? Sim, caríssimos suicidas em potência, dizia o Dylan apocalíptico e ainda convalescente da enfermidade "born-again", não vos deixeis iludir, a morte não é o fim. Há pior, muito pior para vir. Pois aquele mesmo Cohen que, em 1971, olhando-se, com nojo, ao espelho, pensava em voz alta “If you can manage to get your trembling fingers to behave, why don't you try unwrapping a stainless steel razor blade?”, agora que, aos 82 anos, se confessa pronto para morrer, dirige-se ao mundo e desafia-o: “You want it darker, we kill the flame”. Por outras palavras, “Foi isto que pediram? Então aqui têm”. É verdade, “it's come to this, and wasn't it a long way down?”
O judeu canadiano e transitório monge zen que, há 14 anos, suplicava “Give me back the Berlin wall, give me Stalin and St Paul, I've seen the future, brother: it is murder”, não adoçou o olhar – tinha razão para o fazer? – nem encontrou respostas onde as buscava: “To turn the other cheek, sounded like the truth, seemed the better way, sounded like the truth but it's not the truth today”. No ponto de chegada de um prolongado processo de decantação (You Want It Darker inclui canções com 10, 15 e mais de 20 anos em acabamento), Cohen parece mais próximo de crer que a morte é, sem dúvida, o fim mas quase tudo na vida que a precede é um pesadelo ou um engano. E di-lo sob a forma de uma invectiva disfarçada de prece: “Steer your way past the ruins of the altar and the mall, steer your way through the fables of creation and the fall, steer your heart past the truth that you believed in yesterday, such as fundamental goodness and the wisdom of the way, (...) and please don't make me go there, though there be a god or not”. Improvavelmente ateu (“I'm so sorry for that ghost I made you be, only one of us was real and that was me”), imprevisivelmente agnóstico (“I've seen you change the water into wine, I've seen you change it back to water, too, I sit at your table every night, I try but I just don't get high with you”), mas deixando-se ainda acompanhar pelo coro da congregação Shaar Hashomayim – a sinagoga onde teve lugar o seu "bar mitzvah" – que, com os subliminares arranjos instrumentais do filho, Adam, actua como uma discreta moldura a realçar a arrepiantemente grave recitação, avisa que, por mais fundo que tenhamos batido, haverá sempre mais um degrau para descer: “They're lining up the prisoners and the guards are taking aim, I struggled with some demons, they were middle-class and tame, I didn't know I had permission to murder and to maim”. (texto escrito em 6/11, véspera da morte de Leonard Cohen)
2 comments:
http://www.openculture.com/2016/11/leonard-cohens-final-interview.html
Já tinha reparado. Mas obrigado.
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