25 April 2017

CICLONE 


“1000 Days, 1000 Songs” – uma por cada dia útil do mandato presidencial de Donald Trump, caso ele chegue ao fim – constitui o desenvolvimento natural de “30 Days, 30 Songs”, primeiro site/movimento musical organizado de protesto anti-Trump surgido durante o último mês da campanha eleitoral, e agora, após a consumação do desastre, inevitavelmente ampliado. Ultrapassada a primeira centena, há, no entanto, uma tendência (quase inexistente entre Outubro e Novembro passados) que parece acentuar-se: a promessa de incluir “original tracks, unreleased live versions, remixes, covers, and previously released but relevant songs” tem vindo a ser afunilada, concentrando-se exclusivamente nas “previously released but relevant”. Um compêndio da canção politicamente activa (de Nina Simone a Sly & The Family Stone, Hüsker Dü, Temptations, John Coltrane, Odetta, Ani Di Franco, John Lennon, Public Enemy, Rolling Stones, Chi-Lites, Buffalo Springfield, Woody Guthrie, Springsteen e dezenas de outros) é sempre bem-vindo e educativo mas, assim apresentado, deixa a pairar a inquietante ideia de que, na actualidade, não existiria descendência. 



A verdade, porém é que, só nos primeiros três meses deste ano, poderiam ter sido extraídas belíssimas contribuições de The Navigator (Alynda Segarra/Hurray For The Riff Raff), de English Tapas (Sleaford Mods), e "They're Killing Children Over There", dos Magnetic Fields, também ficaria muito bem no retrato. Mas, para lá da menor dúvida, apenas o título de Just Say No To The Psycho Right-Wing Capitalist Fascist Industrial Death Machine – dificilmente alguma vez se exterminaram tantas ervas daninhas de um só golpe... –, dos Gnod, seria mais do que suficiente para funcionar como manifesto, programa e bandeira. Não apontando, obviamente, para Trump como único alvo, haverá que louvar incondicionalmente a largueza de vistas da banda de Salford/Manchester: secar o caldo de cultura onde germinam todos os agentes patogénicos contemporâneos é medida higiénica da máxima urgência; fazê-lo no interior de um gigantesco caldeirão de lava sonora incandescente alimentado por uma trupe de psiconautas com um ciclone no lugar do cérebro e “Don’t wanna be a cog in the machine, I wanna be a stick in the wheel” como palavra de ordem é empreendimento infinitamente mais entusiasmante e de dimensão incomparavelmente superior.

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