14 September 2017

DESPERTAR


Desde há anos que os R.E.M. (via Peter Buck) e as Sleater-Kinney (via Corin Tucker) alimentavam uma discreta sociedade de mútua admiração. Tanto assim que, logo a seguir ao "harakiri" do grupo de Michael Stipe, em 2011, e durante a suspensão de actividades das pós-"riot grrrls" de Olympia, entre 2007 e 2014, Buck e Tucker começaram, sem demasiada pressa, a reunir as peças para o que, sob o nome de Filthy Friends, haveria de ser a mais recente encarnação de uma das assombrações da história do rock: o “supergrupo”. Acolheriam a bordo Scott McCaughey, Bill Rieflin (antigos "compagnons de route" dos R.E.M.), Kurt Bloch (veterano da cena alternativa de Seattle), e, episodicamente, Krist Novoselic (Nirvana). Se, de início, o pretexto era o de actuar como banda de "covers" de David Bowie – e foi nessa qualidade que, em Janeiro do ano passado, uma semana após a morte de Bowie, se apresentaram no “Todos Santos Music Festival”, anualmente organizado por Peter Buck na Baja California –, ainda em 2012, Buck e Tucker tiveram uma visão do futuro e ele era assustador. E, meio século depois de Dylan, decidiram-se a escrever a "The Times They Are A-Changin’" contemporânea. 


Só a publicariam, porém, em 2016, no último mês da campanha presidencial, no site “30 Days 30 Songs – Musicians for a Trump Free America”, declarando: “Já antes de Trump anunciar a candidatura, apercebemo-nos de quanto o país estava a mudar cultural e politicamente. A realidade é ainda mais feia e desanimadora. Desejamos de todo o coração poder dizer ‘adiós’ a Trump no dia da eleição”. Como bem sabemos, não puderam. Mas, agora que os Filthy Friends publicam o primeiro álbum (Invitation), na voz de Corin – algo entre Grace Slick e Patti Smith –, "Despierta" soa, paradoxalmente, ainda mais poderosa: “Despierta, senador, the time is nearly here, the gold watch strapped around your wrist must have stopped some time ago, the day is fading quickly and the hour is nearly here, the whitest chalk upon this land is about to disappear, holding onto the past won’t make it repeat, it’s time to get up, I think you’re in my seat (…), your time is over, your power’s peaked, adiós, senador, I have come to get the keys”. Será, inevitavelmente, a bandeira que irá à frente num desfile de 12 belíssimas canções sobre as quais, naturalmente, a sombra dos R.E.M. paira. Mas também as dos Television, dos T. Rex ou dos Pixies contribuem para que, neste caso, “supergrupo” deva ser lido literalmente.

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