27 May 2019

PROTÓTIPO 


No passado mês de Março, a Warner Music comunicou ao mundo ter sido a primeira editora a assinar contrato com um algoritmo. Criado pela Endel, um “cross-platform audio ecosystem” especializado na produção de “mood music”, o algoritmo, será responsável pela fabricação de 600 faixas para 20 álbums que serão disponibilizados em plataformas de "streaming". Os cinco primeiros já estão acessíveis e orientam-se para o design de atmosferas propícias â concentração e/ou ao relaxamento. Aparentemente, nada de extraordinariamente novo se recordarmos a vetusta historia da "muzak"/"ambient music" ou, há dois anos, Reflection, de Brian Eno, um projecto de música infinitamente auto-gerada a partir de uma série de algoritmos criados em colaboração com Peter Chilvers. A diferença crucial está no facto de, na qualidade de entidade dotada de poderosa Inteligência Artificial (IA), o algoritmo Endel oferecer igualmente “frequências sonoras personalizadas baseadas em dados pessoais dos utilizadores: a hora do dia, o horário de trabalho, a batida cardíaca, a meteorologia ou o padrão de condução automóvel”. Cândida e inquietantemente, Oleg Stavitsky, co-fundador e CEO da Endel, declara: “Desejamos compreender o contexto do seu dia-a-dia e reconfigurar todo o seu ambiente sonoro”. Com a vantagem adicional de exigir “um mínimo de envolvimento humano”, o que, a crer no dilúvio de publicações acerca da iminente devastação no mercado de trabalho – e a selvática violação da privacidade que “The Privacy Project”, do “New York Times”, analisa em profundidade – consequência da IA, tenderá a transformar-se no modus operandi habitual. 



Em Platform (2015), Holly Herndon, apropriando-se do ponto de vista do colectivo Metahaven, autor dos videos para esse álbum – “Science fiction politics need science fiction aesthetics” –, propunha “música que reage em termos actuais sem dependência de nenhuma nostalgia do passado”. Quatro anos depois, PROTO dá um largo passo em frente e coloca Herndon literalmente a interagir com Spawn, uma “bebé”-IA treinada para aprender, interpretar, desenvolver e desfigurar a matéria vocal que lhe é proposta e, a seguir, integrar-se simbioticamente no ensemble humano. O que escutamos, então, é um fabuloso exercício de corais desencarnados, polifonias entre o êxtase e a ansiedade, a desagregação e a recomposição, até que, em “Extreme Love”, a interrogação decisiva é, enfim, formulada: “Is this how it feels like to become the mother of the next species?”

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