11 June 2019

O ESTADO DA NAÇÃO


Quando, um mês antes das últimas eleições presidenciais norte-americanas, Dave Eggers e Jordan Kurland lançaram o site “30 Days 30 Songs”, o objectivo (como o próprio nome indicava) era apenas, na recta final da campanha, criar um espaço onde, organizadamente, a comunidade musical pudesse dar o empurrãozinho que faltava no sentido de uma “Trump-free America”. Sabemos hoje demasiado bem que os disparos de Aimee Mann, Andrew Bird, R.E.M., Franz Ferdinand, Matt Berninger, Lila Downs, Adia Victoria, Mirah, Ani Di Franco, Bob Mould e vários outros não bastaram para impedir o desastre. Não foi necessário recorrer a poderes sobrenaturais para, logo no balanço de 2016, ter escrito “Talvez não seja motivo para, nos EUA, voltar a cantar-se já, já, ‘Strange Fruit’”, mas, no momento em que o mundo se dava conta de que “um candidato apoiado pelo Ku Klux Klan e pronto a partilhar o saque com um tirânico ex-director do KGB chegara à presidência dos EUA”, tudo fazia “adivinhar o renascimento de uma contracultura de protesto”. Inevitavelmente, durante os dois anos e meio seguintes, à medida que as piores previsões se iam concretizando, sob os mais diversos ângulos, de Fiona Apple a Hurray For The Riff Raff, Gnod, Lee Bains, Randy Newman, Sleaford Mods, Marc Ribot, Poliça, David Byrne, Stick In The Wheel, Anal Trump, Goat Girl, Sunwatchers, Vampire Weekend, Vera Sola, The National, Laurie Anderson, Gruff Rhys, Parquet Courts ou Richard Thompson, a resistência foi-se avolumando. Se “30 Days 30 Songs”, entretanto ampliado para “1000 Days 1000 Songs”, encravou na canção 172 – "My Country ‘Tis of Thy People You’re Dying", de Buffy Sainte-Marie – vale a pena recordar que foi aí que, através de "Despierta" (“Your time is over, your power’s peaked, adiós, senador, I have come to get the keys”), nos apercebemos da existência dos Filthy Friends, a coligação "indie" de Peter Buck (R.E.M.) e Corin Tucker (Sleater-Kinney) que, no Outono de 2017, publicaria o óptimo Invitation.


A atmosfera era, já nessa altura, previsivelmente inquieta mas, acerca do novo Emerald Valley, apenas pode dizer-se que é um discurso sobre o estado da nação em forma de – não se trata de outra coisa – colecção de canções beligerantemente de protesto. “Transformou-se numa espécie de manifesto. Não acredito que tenhamos deixado as coisas chegar a este ponto. Não é fácil compreender aquilo por que estamos a passar. Haverá alguma forma de olharmos para trás sem nos sentirmos envergonhados?” disse Tucker à “Nylon”, acrescentando: “São muito bizarras todas estas personagens que parecem saídas de livros de BD mas que são, afinal, pessoas reais”. Primeiro boneco, então, o vil e facilmente reconhecível "November Man", “Long skinny tie and hair of gold, you made the deal, our future sold (…) you sip White Russians, or a Moscow Mule, the ice in your glass tastes of power to you, but Winter comes to everyone, will yours be bitter, will yours be cold?” a quem, qual PJ Harvey em fúria sobre tornado eléctrico, dirige a dedicatória envenenada: “We don’t have no words, we don’t have no song, we don’t have no music, we don’t have no love, for November Man”. Panfletário e de garras afiadas, sim, mas também rock vibrante e enérgico, Emerald Valley é o lugar onde se apela à insubordinação (“Enough, enough, the people must speak up!”), se denuncia a miserável separação das famílias de imigrantes (“They are torn apart by fools from the arms of mothers, fathers, by some devil making rules") e, de uma ponta a outra, se toma a palavra na “partilha da tristeza, da raiva e do desespero”.

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