02 October 2007

UMA PRODIGIOSA SUCESSÃO DE ACONTECIMENTOS CONDUZIU-ME A RESSUSCITAR UMA MÃO-CHEIA DE "OFF-THE RECORDS", DE NOVO (plus ça change...), DESGRAÇADAMENTE PERTINENTES (V)



ÁFRICA NOSSA

A umas centenas de quilómetros de Londres e menos de uma semana antes de a rapaziada explosiva de Bin Laden ter exemplificado muito graficamente o que uma parcela do Terceiro Mundo pensa do G8, houve quem tentasse uma versão reivindicativa consideravelmente menos dotada de "valores de produção" do que a dos operacionais da Al Qaeda. Se um número importante dos "filthy rich" da pop do Primeiro Mundo condescendia em ceder algum tempo de antena de uma mega-promoção planetária da sua música — com retorno imediato — a favor de um pedido de perdão à dívida africana (tendo, contudo, a precaução de não se referir às quadrilhas de gangsters que governam a maior parte de África e têm por hábito abocanhar as ajudas que o Ocidente para lá envia), parecia mal que o próprio continente negro ficasse remetido à posição de espectador mendicante. O beato Geldof não tinha pensado nisso mas Peter Gabriel resolveu o berbicacho: em Saint Austell, na Cornualha, ergueu a extensão africana de última hora do Live 8, "Africa Calling".



A boa notícia para Portugal é que, aparentemente, saímos finalmente da cauda da Europa para integrarmos, bravíssimos, o pelotão da frente africano. Sim, Portugal, ali representado por Mariza, é África e, pelos vistos, o fado resolveu de vez os enigmas da sua origem. Naturalmente, como confessou à "Única" da semana passada, "Como era um festival, teve que ser um fado mais rock'n'roll, para puxar um bocadinho pela audiência". "Honi soit qui mal y pense": ninguém ignora que também o rock tem raízes africanas e Mariza faz questão de sublinhar que nasceu em Moçambique e é mestiça. Embora loura.

Pensando bem, isto só pode ter consequências positivas: se Mariza, Portugal e o fado são africanos, é assaz provável que, enquanto nação do Terceiro Mundo, estejamos um pouco mais ao abrigo de ameaças terroristas. Nunca se sabe, mas antes assim. Melhor ainda: ai da Comissão Europeia se não nos perdoar, a nós, pobres zulus, a cratera do défice! Depois, a partir de agora, até George W. Bush terá legitimidade para alegar — contribuindo, desse modo, para a distensão internacional — que os EUA são a maior superpotência africana por causa de James Brown e Miles Davis e Jimi Hendrix e Coltrane e (porque não? se a Mariza pode...) Michael Jackson.



E, enfim, quando pensarmos nos valentins, isaltinos, fátimas, avelinos e outros jardins, escusamos de, uma vez mais, nos entregar, avinagrados, ao "live hate". Bastar-nos-à suspirar, olhando, ao longe, a savana: tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é África!... (2005)

1 comment:

Ana Cristina Leonardo said...

pra África, e em força!