09 September 2007

A VIDA POR UM FIO



Laurie Anderson - Life On A String

Desde 29 de Abril de 1999, quando estreou Songs And Stories From Moby Dick no McFarlin Auditorium da Southern Methodist University em Dallas, que Laurie Anderson se deixou positivamente devorar pela narrativa e pela ficção do extraordinário épico de Herman Melville. O que, de uma certa perspectiva, até está absolutamente certo: partindo do pretexto fornecido por um programa de combate à iliteracia nas escolas onde se pretendia que diversos artistas apresentassem um dos seus livros favoritos, a opção por Moby Dick, segundo Anderson, tornou-se quase perversamente em algo diferente: "Acabei por me apaixonar pela ideia de que aquilo que durante toda a vida perseguimos acabará eventualmente por nos comer vivos". Primeira performance multimedia em que ela foi responsável pela direcção de um cast de vários actores-músicos-cantores (Tom Nellis, Anthony Turner, Miles Green, Price Waldman e Skuli Sverisson), se um coro misto de louvores e críticas amáveis se verteu sobre o sucessor de The Nerve Bible e Home Of The Brave, nem por isso, quando as apresentações públicas terminaram em 2000, Laurie Anderson se havia libertado do fantasma da baleia branca: "Transformar o livro num espectáculo tinha sido um imenso projecto. E, por muito que me esforçasse, não fui capaz de converter o espectáculo em disco. Estou completamente apaixonada por Melville mas, no momento em que o espectáculo acabou já não podia mais com aqueles velhos marinheiros mal-cheirosos nem com os seus problemas! Pensei: 'Não consigo ficar no século XIX nem mais um segundo!' Era necessário recomeçar e que o disco fosse mais acerca da minha própria experiência e da minha própria vida".



A verdade é que esta "vida por um fio" — e sabemos já muito bem como os relatos da "experiência" e da "vida" de Anderson são tudo menos narrativas lineares e confessionais —, sendo, de facto, algo diverso do que terá sido Moby Dick, não deixa de conter evidentes traços da assombração de Melville. A começar pela primeira faixa significativamente intitulada... "One White Whale", pelo enredo de "Pieces And Parts" (no qual se descreve a descoberta, em 1842, numa plantação do Alabama, do enorme esqueleto de uma baleia que os escravos interpretam como os despojos de um anjo caído) ou por diversos fragmentos e alusões dispersas onde, em contiguidade com outros temas que nada terão a ver com o espectáculo e um pouco à maneira do que sucedia em Strange Angels, de 1989 (e, talvez também não por acaso, por aqui se multiplicam de novo as referências aos anjos), Laurie retoma a sua pessoalíssima visão do formato-canção. Isto é, se, no repegar de uma vertente mais despojadamente minimal e virada para o lado do "spoken word", o anterior Bright Red remetia para o primeiro Big Science, então Life On A String exercita o equilíbrio entre ambas as vertentes. Com produção de Hal Willner e participação de uma série de ecléticos notáveis — Dr. John, Eric Friedlander, Lou Reed, Bill Frisell, Mitchell Froom, Joey Baron e algumas luxuriantes orquestrações de Van Dyke Parks — é uma formidável gravação que tanto reassume a estratégia da voz falada sobre a matemática arquitectura electrónica como ironiza sobre as "showtunes" de feição cinematográfica ou, mais do que nunca, coloca em destaque a performance no violino eléctrico, decididamente não mais um adereço de segundo plano. E que, daquele modo coloquialmente subliminar de falsa "stand-up-comedian" que Anderson favorece, vai lançando, aqui e ali, enigmáticos epigramas como aquele (em "Statue Of Liberty") "Freedom is a scary thing, not many people really want it" a fazer recordar o "Give me back the Berlin wall, give me Stalin and St. Paul" de Leonard Cohen... (2001)

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