23 March 2021

 
(sequência daqui) Deve dizer-se, realmente, “faixa” e não “canção”. Porque, à excepção do tema-título – e prolongando os cenários cripto-"new age" de Ghosteen, desta vez, frequentemente virados do avesso para um lado de pavor sobrenatural quase "giallo" –., não existem aqui canções mas apenas desnorteados labirintos de "ostinati" massacrantes, pelo meio de uivos estrangulados de guitarra, pesados cortinados de orgãos catedralícios e crescendos corais, entre um gospel passado a ferro e a festa de catequese, à deriva sobre farrapos de melodias entrevadas e arpejos de teclas rudimentares. Tudo isto generosamente recheado de abundantes “A time is coming, a time is nigh, for the kingdom in the sky”, “The hand of God coming from the sky”, e “Lavender fields that reach high beyond the sky”, abrasados por um previsível “biblical sun” e, aqui e ali, um surrealismozinho de algibeira (“I am a Boticelli Venus with a penis”), paredes meias com rimas embaraçosas (“Sometimes I see a pale bird, wheeling in the sky, but that is just a feeling, a feeling when you die”) e lirismos comprometedores (“The moon is a girl with tears in her eyes”). Não será, decerto, a primeira nem a última vítima do lema “first thought, best thought”, mas é muito provável que, na comunidade dos seus vizinhos de Brighton & Hove – segunda cidade mais ateia (42.4% ), do Reino Unido, logo, logo a seguir a Norwich (42.5%), vice-campeâ europeia da modalidade, embora a considerável distância de Berlim (60%) –, não venha a ser o disco mais popular do ano.

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