24 April 2007

COM O OUTRO PÉ NA MÚSICA



Se existe alguma verdade no célebre aforismo de Walter Pater segundo o qual "toda a arte aspira à condição da música", não há dúvida que alguns praticantes de outras "artes" não propriamente musicais o levam inteiramente à letra. Uma razoável lista de políticos — de Nixon a Jimmy Carter, John Quincy Adams, Bill Clinton, Harry Truman, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, Wolfgang Schuessel, Edward Heath, o príncipe Carlos de Inglaterra, Helmut Schmidt, o imperador Hirohito ou Condoleezza Rice (uma muito promissora menina-prodígio no piano) — foram ou são músicos amadores com reputações entre o "jeitoso" e o "excelente" e figuras como Einstein, Alexander Graham Bell, Frank Lloyd Wright, Thomas Edison, George Eastman (fundador da Kodak) ou até o circunspecto Alan Greenspan (presidente do Federal Reserve Board norte-americano mas, antes disso, aluno da Juilliard School of Music e músico de jazz profissional com a Henry Jerome Band em saxofone-tenor e clarinete) dedicaram-se igualmente à prática de um ou vários instrumentos, de forma episódica ou regular.


City Lights (real. e música Charlie Chaplin)

A área dos realizadores de cinema, naturalmente, não foge à regra. A New Orleans Jazz Band de Woody Allen não são, de todo, casos isolados. Indo bem lá atrás no tempo, Charlie Chaplin não apenas escreveu inúmeras peças de "chase music" para ser executada ao vivo durante os tempos do "cinema mudo" (para os seus filmes e não só) como, a partir de 1931, com As Luzes da Cidade, foi o autor de todas as partituras dos seus filmes, tendo inclusivamente fundado, em 1915, a Charlie Chaplin Music Company. Atitude idêntica têm John Carpenter (que, pelo menos desde 1970, com The Resurrection Of Broncho Billy, se tem ocupado das bandas sonoras da maioria dos seus filmes — Veio do Outro Mundo/The Thing, de 1982, entregue a Ennio Morricone, foi uma das raras excepções —, de Dark Star a O Nevoeiro, Assalto à 13ª Esquadra, Fuga de LA, Christine ou Halloween), Mike Figgis (o qual, antes de se dedicar ao cinema, fez parte da banda de R&B, The Gas Board — ao lado de um imberbe Bryan Ferry —, e, daí em diante, assegurou as partituras dos seus Stormy Monday, Morrer Em Las Vegas, A Perda Da Inocência, Miss Julie ou Time Code) e o mais jovem chileno Alejandro Amenabar que, confessadamente influenciado por clássicos ou quase-clássicos como Bernard Herrmann, John Barry, Howard Shore ou John Williams, compôs a música de Os Outros, Abre Los Ojos, Lengua de Las Mariposas, Tesis ou Mar Adentro.


Christine (real. e música John Carpenter)

Menos persistentemente do que estes, Clint Eastwood, David Lynch, Hal Hartley e Vincent Gallo também não dizem que não a meter a colherada nas bandas sonoras dos filmes que dirigem: Eastwood (devoto amante de jazz que pudemos ver recentemente ao piano, ao lado de Ray Charles, no volume Piano Blues da série de DVD produzida por Martin Scorcese, The Blues) deu o primeiro passo em Bronco Billy (1980) e, frequentemente na companhia de Lennie Niehaus, compôs para Imperdoável, Poder Absoluto, Um Mundo Perfeito, Um Crime Real, Space Cowboys e As Pontes de Madison County, ao lado do filho Kyle (músico de jazz), escreveu a música de Mystic River e será o compositor único do próximo Million Dollar Baby; David Lynch, ainda que quase indissociável do compositor Angelo Badalamenti, contribui frequentemente com "música adicional" para os seus filmes (mas, em Eraserhead e The Alphabet, a música é só sua), é co-autor, com Badalamenti, dos álbuns de Julee Cruise, Floating Into The Night e The Voice Of Love, e da video-performance Industrial Symphony nº 1 e publicou, em 2002, na companhia de John Neff, o álbum de "música inspirada por máquinas, fumo, fogo e electricidade", Blue Bob;


Eraserhead (real. e música David Lynch)

Hal Hartley, em nome próprio ou escondido sob o pseudónimo Ned Rifle, compôs para grande parte dos seus filmes, para Milk And Honey, de Joe Maggio, e reuniu uma selecção da sua "film music" no CD Possible Music; Vincent Gallo — membro de diversas bandas de rock como The Plastics, Pork, Bunny, Bohack ou Gray (de que fez também parte Jean Michel Basquiat) — foi responsável pela banda sonora de Buffalo 66 (a música do seu outro filme, Brown Bunny, é constituida por temas não originais de vários autores) e publicou os álbuns When e Recordings Of Music For A Film.
Finalmente, a querermos esticar um pouco mais a corda, poderiam referir-se ainda Jim Jarmusch — antes de se estrear no cinema, foi elemento da banda no/new-wave, Del Byzanteens, que gravou, em 1981, o álbum único, Lies to Live By — e o "realizador David Byrne" (True Stories, Ilé Aiyé) mais conhecido como ex-elemento dos Talking Heads, autor-compositor a solo, video-artista, fotógrafo ou "film musician" para O Último Imperador ou Young Adam. (2005)

1 comment:

Anonymous said...

Ainda a propósito de David Lynch, não esquecer isto :
http://www.lynchnet.com/luxvivens/