30 January 2025


ÁGUAS POUCO TRANQUILAS
Uma sucessão de vistas aéreas sobre as luzes noturnas de Toronto. A câmara desce para apanhar Tamara Lindeman deitada sobre o pavimento, escondida, enroscada sobre si mesma ("I’ve gotten used to feeling like I’m crazy - or just lazy. Why can’t I get off this floor? Think straight anymore?"). Ergue a cabeça, olha-nos e parece tocar na câmara para a redireccionar sobre o movimento da rua ("Out on the street, I went walking in a punishing heat - nobody meets my eyes except witty signs and luxury designs. Every neon sign every flashing light tries to fool you"). Ao longo do caminho, diversas pessoas empurram-se, são molestadas, incomodadas, roubadas, pontapeiam lixo, agridem-se. Tamara parece ser perseguida mas liberta-se ("Every neon sign every flashing light tried to fool me. There I was - just stretching out my mind to take in every wounded story. Nothing needs you so badly as a lie, so lonely, drifting, unmoored from real life"). A câmara, rente ao chão, filma passos, túneis, autoestradas. Por fim, imobiliza-lhe o olhar e os movimentos sob golpes de luz e regressa à "skyline" urbana ("Till I fell out of desire like a slipped knot I fell out of desire and nothing caught I fell out of the fire wasn’t even hot I could feel nothing nothing nothing nothing naught"). É uma sinopse do vídeo de "Neon Signs" de Humanhood, o álbum de Tamara Lindeman/The Weather Station, que sucede ao par Ignorance (2021)/How Is It That I Should Look at the Stars (2022). E que deve ser escutada como uma esclarecedora introdução ao que não era suposto ter sido essa sucessão. (daqui; segue)


29 January 2025

(3º ANO A SEGUIR AO) ANO DO TIGRE (CLXXI)


"Os Gatos (Lembro Que Um Dia)" (daqui; ver aqui; álbum Um Gato É Um Gato, na íntegra aqui)
Isto está a ficar assim um bocadinho demente, não está?

Lisbon, Illinois, EUA
 (retomando um "unfinished business" - III)

Com uma tão excelente oportunidade para reclamar para si os méritos, a ínfima criaturinha entende que é melhor bradar que tudo não podia estar pior e nem super-heróis se arriscam a passear por Lisboa à noite 
(é apenas tolo ou pior do que isso?)

Super Homem após breve passeio noturno por Lisboa

25 January 2025

"Carol Of The Beasts"
 
(sequência daqui) Para o seu último (e duplo) álbum, as Unthanks poderiam facilmente ter recorrido ao pagão Yule (festival de Inverno dos povos germânicos) mas preferiram ampliar tanto quanto possível o conceito: a uma colecção de carols, canções de wassailing (o equivalente britânico das "janeiras"), às citações de A Ceremony of Carols, de Benjamin Britten, à catalã "El Cant Dels Ocells"/"Carol Of The Birds", à germânica "O Tannenbaum", a um poema do francês do século XVII, Bernard de La Monnoye, ou às surpreendentes erupções free do sax de Faye MacCalman pelo meio das suas sublimes harmonias vocais atribuiram a etiqueta de In Winter. E explicam que se trata de uma "dream-like winter fantasia, embracing both the dark and the light in the most ritualistic of seasons". Da qual nenhuma gota de sangue resultará.
Moisés Espírito Santo (1934 - 2025)

22 January 2025

Hino do grupo parlamentar neo-facho
Celeste Rodrigues - "Olha a Mala"
UMA FANTASIA DE INVERNO
O mundo da superstição religiosa é maravilhosamente confuso. Ficando apenas pelo universo cristão, é bastante educativo sabermos que, desde os primórdios, inúmeros cismas, cisões e dissidências - e correspondente matanças sanguinárias - se sucederam, conduzindo ao actual e esclarecedor número de 45 000 denominações cristãs espalhadas pelo mundo. Acrescentem-se lhes os infinitos outros cultos monoteístas e politeístas, pré e pós cristãos, e teremos penetrado numa cerrada selva teológica. Na qual, por exemplo, celebrar o dia 25 de Dezembro tanto pode referir-se ao mito cristão - sobre o qual o venerável papa Leão X terá confessado "Quão proveitosa nos tem sido esta fábula de Cristo!" - como a todos os outros que festejavam Homens-Deuses (Osíris, Diónisos, Atis, Adónis, Mitra), anunciados por estrelas, nascidos de virgens por altura do solstício de Inverno, capazes de operar extraordinários milagres, crucificados, mortos e renascidos. Daí que, para evitar conflitos, desde a segunda metade do século XIX (mais precisamente, 1863, no "Philadelphia Inquirer"), "Merry Christmas" tenha vindo a ser substituído por "Happy Holidays" ou "Season's Greetings". (daqui; segue para aqui)
 
"River River"

20 January 2025

Revisões da matéria dada (XXXIX)

Que merda fez hoje o Trampas?

 (2ª temporada)



 

(daqui; álbum Viva Lone Justice, na íntegra, aqui)
Catherine Nixey - Heresia: Jesus Cristo e os Outros Filhos de Deus (III)


(sequência daqui) "A multidão suplicou imediatamente a Pedro que 'mostrasse outro sinal, para que possamos acreditar em ti como ministro do Deus vivo'. Como explicaram com honestidade, ainda que com pouca constância, Simão tinha feito muitos milagres, 'e por esses motivos seguimo-lo'. S. Pedro devia agora fazer alguns, então, segui-lo-iam a ele, em vez de seguirem Simão. S. Pedro voltou-se e viu 'uma sardinha dependurada de uma janela'. Tirou-a do gancho em que se encontrava e foi até ao grupo de pessoas reunidas. 'Se agora virdes isto a nadar na água como um peixe, sereis capazes de acreditar naquele que anuncio?' A multidão respondeu a uma só voz: 'Acreditaremos verdadeiramente em ti'. S. Pedro pegou no peixe, atirou-o para a bacia de uma fonte que ali se encontrava e ordenou à sardinha que voltasse à vida: 'Em teu nome, ó Jesus Cristo'. A sardinha, que estava a ter um dia melhor do que o cão, fez como lhe foi ordenado. O povo de Roma ficou maravilhado. 'Ao verem isto', regista o texto, 'muitos seguiram Pedro e acreditaram no Senhor'.

17 January 2025

Porque é que o pedreiro apoiante do marujo-pedreiro-que-não-é pedreiro raramente é referido pelo nome completo, José Maria Mateus Cavaco Silva? No melhor avental pode cair a nódoa...
O neo-facho é um tímido: com uniformes que lhe assentam tão melhor...
 ... vai escolher um de...comandante da TAP?!!!...
 
O público fervilha de entusiasmo perante a iminente luta de anões!...
(ou a magia do circo)

16 January 2025

David Lynch (1946 - 2025)

"Dueto de Gatos"
 
(sequência daqui) A "pièce de résistance" foi, entretanto, o 'Duetto Buffo Di Due Gatti', de Rossini (na verdade, uma colagem de excertos de diversas peças realizada por Robert Lucas de Pearsall, sob o pseudónimo de G. Berthold): "Foi, de todos, o que me deu mais trabalho. Foi a minha irmã que me deu essa sugestão. Estive quase para desistir. Pensei em coisas muito diferentes. Mas, como ia descaracterizar um pouco o acompanhamento 'de época' do Rossini, não conhecia ninguém da clássica ou do jazz com quem me sentisse à vontade para fazer esse pedido. A partir do momento em que decidi que seria eu a fazer os dois gatos - nós podemos ter vocação para sermos várias personagens mas é, porventura, mais fácil com a escrita do que a cantar -, os nossos timbres são os nossos timbres e, por muito que haja entoações diferentes, não foi, de todo, fácil. Claro que poderia ter recorrido à facilidade de criar uma voz mais digital mas, por aconselhamento de alguns amigos, decidi não o fazer. Para os arranjos, não pretendi grandes inovações, apenas a linguagem 'clássica' do quarteto, cabendo ao Zé Martins a criação de ambientes sonoros que fossem, por essa via, inovadores". Como diria Charles Bukowski, "Ter gatos à volta é bom. Se não estivermos lá muito bem, basta olhar para eles que nos sentiremos logo melhor, porque eles sabem que as coisas apenas são como são".

15 January 2025

Recordando um bonito momento dada-situacionista das presidenciais de há 4 anos
"Nenhum de nós tinha o mínimo interesse pela coragem que é preciso ter para se deixar matar a tiro pela ideia de uma nação que, na melhor das hipóteses, é uma união de interesses de comerciantes de peles e traficantes de couro, e, na pior, uma associação cultural de psicopatas que, como na 'pátria' alemã, saíam de casa com o seu livrinho de Goethe na mochila para, de baioneta em punho, porem os franceses e os russos no espeto" (Richard Huelsenbeck - En Avant Dada: Uma História do dadaísmo  + leitura complementar)

13 January 2025

"Gato Diplomata" (E. Lisboa)

(sequência daqui) Outra parceria peculiar foi com Michales Loukovikas: "Dar a um grego um poema francês, 'Les Chats', do Baudelaire, quando ele (que nem gosta de gatos!) de francês sabe muito pouco e ele ter aceitado, foi, realmente, uma prova de amor: só uma pessoa que não quer deixar ficar mal uma amiga é que aceita um pedido desses..." Com António José Martins, outro dos compositores, ocupar-se de 'Os Gatos (Lembro Que Um Dia)' tratou-se quase de um pedido expresso dele: "Achou imensa piada ao poema do Ary dos Santos que é quase um momento Disney, numa daquelas situações em que os rafeiros se enamoram das senhoras da nobreza de uma forma muito mais interessante do que acontece nos nossos romances mais humanos. 'Os Gatos (Há Um Deus)', do Manuel António Pina, independentemente da dificuldade que aquilo pudesse conter (e continha!), eu tenho uma admiração tremenda por ele - gatófilo notório - e nunca me permitiria deixá-lo de fora. Por outro lado, o Eugénio Lisboa foi logo o primeiro. Os amigos eram presenteados quase diariamente com sonetos de aviso, sonetos de amor, sonetos de compaixão, que, como ele intitulou o último livro dele, são todo um Manual Prático De Gatos Para Uso Diário E Intenso. Felizmente, ele ainda chegou a ouvir o 'Gato Diplomata" à guitarra: deu-me a sua aprovação e contou-me da alegria que isso lhe trouxe". (segue para aqui)