14 February 2023

CONTAGEM DECRESCENTE 

A propósito de Discord (1998), uma peça orquestral escrita de impulso em reacção às notícias sobre a fome em África e às tragédias humanitárias que, então, ocorriam no Ruanda e no Zaire, Ryuichi Sakamoto, em entrevista ao “Expresso”, sentiu a necessidade de se explicar: “A música não é um utensílio nem uma máquina capaz de interpretar o mundo real. Tem o seu próprio universo mas contém também uma gramática e uma sintaxe das emoções. Nesta altura, porém, senti a necessidade de tomar posição relativamente a esses acontecimentos. Não é o tipo de atitude que, habitualmente, pense dever assumir através da música. Mas é evidente que não posso fugir à influência que aquilo que se vai passando no mundo tem, inevitavelmente, sobre mim. Todos os dias. Não de uma forma clara e explícita mas a um nível mais profundo”.

"20210310"

A esse mesmo “nível mais profundo” situar-se-ia também async (2017) gravado três anos após lhe ter sido diagnosticado um cancro da laringe. Por essa altura, dir-me-ia: “Nunca pensaria na minha música como um testamento final. Gravar este álbum foi como trepar uma montanha sem um mapa na mão. Uma vez atingido um cume, descobrimos logo outro mais à frente e não temos o fim à vista. Mas, na verdade, cada trabalho meu representa sempre a minha última vontade. Claro que o problema do cancro acentuou bastante mais essa ideia. E fez-me tomar consciência de que a atitude de encarar cada álbum como sendo, potencialmente, o último é, de facto, a mais correcta. Não sei se terei um ano ou dez ainda à minha frente mas claro que continuo a ter sonhos, esperanças e planos para o futuro”. (daqui; segue para aqui)

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