O QUE UM PAÍS JULGAVA SER
É verdade que ele já tinha declarado ser “um génio muito estável” e que, no início deste ano, a então secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders – qual irmã Lúcia em relação a Salazar –, anunciara que “Deus quis que Donald Trump fosse presidente”. Mas, quando The Seduction of Kansas, segundo álbum dos Priests, foi gravado, Trump ainda não tinha revelado ao mundo o seu complexo de Messias tão explicitamente como em Agosto passado, ao declarar “I am the chosen one!”. Muito menos proclamara da forma que o fez a 7 de Outubro, a sua “imensa e inigualável sabedoria”. Não será, pois, exagero dizer que, em "Jesus’ Son", a banda de Washington DC, viu o futuro: “God came to me in a dream and told me that I'm Jesus' son, I know this world is mean, it's lucky I'm the chosen one, I sparkle like the setting sun, I think I wanna hurt someone, I'm young and dumb and full of cum”. Texto profético e tão rico de significados, que tanto poderia aludir a The Donald, a um qualquer pregador evangelista do Deep South, ou ao Travis Bickle, de Taxi Driver.
Já em 2017, a propósito do álbum de estreia Nothing Feels Natural, publicado logo após a tomada de posse de Trump mas concebido e escrito bastante antes, os petardos que disparava (“You want some new brutalism? You want something you can write home about, you want something to move away for, a reason to colonize”) foram entendidos enquanto antecipação da nova idade das trevas que se aproximava. Afinal, do mesmo modo que os vizinhos e camaradas Gauche (com quem partilham a baterista Daniele Yandel) se inspiraram em A People's History Of The United States, de Howard Zinn, eles partiram de What’s the Matter With Kansas? How Conservatives Won the Heart of America, de Thomas Frank (2004) – um estudo do Sunflower State como barómetro da política americana –, para a criação de uma metáfora cultural e política dos EUA onde “all the cowboys, they get ready for a drawn-out, charismatic parody of what a country thought it used to be”, um “little YouTube Sartre” decreta que "There's no way to overthrow the bourgeoisie except tossing a hand grenade into your society" e a Dorothy do Feiticeiro de Oz, activando a magia dos sapatinhos vermelhos e segura de que “There’s no place like home”, regressa, feliz, ao Kansas. Menos esquemático e musicalmente mais complexo – a guitarra de G.L. Jaguar!... – do que o (óptimo) panfletarismo dos Gauche, apetece muito escutar ambos em sequência. A ordem é arbitrária.
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