22 September 2016

JANOTA


Tony Visconti, o produtor de 13 álbuns de David Bowie, conta à “Uncut” que, embora não de uma forma absolutamente inflexível, este levava muito a sério o princípio artístico de não promover em palco a obra passada. O mesmo se aplicava no que respeita à habitual estratégia de reedições sobrecarregadas de demos, faixas inéditas, outtakes: “David tinha uma opinião muito firme de que um álbum concluído era um álbum concluído”. E tudo o que, posteriormente, se lhe acrescentasse seria, invariavelmente, supérfluo. Inevitavelmente, ao longo de inúmeras republicações e mudanças de editora, isso seria muito poucas vezes respeitado. Por maioria de razão, após a sua morte em Janeiro passado, ninguém acreditaria que a Parlophone fosse capaz de travar o impulso para, de acordo com a máxima “the best rock star is a dead rock star” (traduzida por Tom Waits para “o que o show-business tem de mais bonito é que é a única actividade em que se pode ter uma carreira depois de morrer”), tirar o máximo partido do catálogo de Bowie. Não travou.  



Who Can I Be Now? (1974-1976), "box-set" incluindo Diamond Dogs, Young Americans, Station To Station (original e com remistura de 2010), David Live (original e com remistura de 2005), Live @ Nassau Coliseum 1976 e Re:Call 2 (colectânea de versões em single e lados B), centra o grande alarido promocional no suposto facto de conter também “um disco nunca antes editado”, The Gouster. A multidão de fãs ouve falar em "lost album" e, pavlovianamente, saliva. Mas só até se dar conta de que, afinal, não é mais do que a primeira encarnação de Young Americans“os despojos esborrachados da música étnica tal como ela sobrevive na idade do Muzak rock, escrita e cantada por um britânico branco”, Bowie dixit -, antes de ter legado quatro das sete faixas à versão definitiva, havendo, entretanto, as restantes sido integradas, mais tarde, em diversas reedições e compilações.



Vale a pena, porém, conhecer a história do título: em plena “fase americana”, Bowie precisava de uma nova personagem que desse corpo ao que ficaria conhecido como "plastic soul" (para a edificação da qual recrutou os músicos Carlos Alomar, Luther Vandross e Andy Newmark, baterista de Sly and the Family Stone). Descobriu-a no guarda-roupa do trompetista de jazz, Don Cherry (pai de Ava Cherry, namorada da altura e corista da banda), inspirado no estilo "gouster"/janota dos "gangsters old-school" – calças largas, suspensórios e gravata – que uma canção ("The Gouster", 1964) do grupo vocal negro de Chicago, The Five-Du Tones, consagraria. Recorda, agora, Ava Cherry que, no final da digressão durante a qual Bowie vestiu um dos fatos de Don, quando ela lhe pediu que o devolvesse, ele se recusou a fazê-lo: “Nem pensar, isto sou eu!”

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