Béclair/éclair
(recebido por email)
1
- Um homem entra e pede um béclair de chocolate; o empregado não percebe mas traz-lhe um éclair de chocolate; o homem diz que não foi isso que pediu, que o que pretendia era “algo assim maior, com duas pernas e um sítio em cima para se colocar um cinto”. O empregado responde que numa pastelaria não se vendem calças. O homem pede o Livro de Reclamações.
Por mais incrível que pareça, foi exactamente isto que se passou na Prova Escrita 623/ 1ª fase de História A do 12º ano de escolaridade.
2 -
Uma vez que são confidenciais, a população em geral não tem acesso aos exames efectuados pelos alunos; mas todos juram que os alunos de hoje são ignorantes, incultos e que não sabem pensar nem escrever.
Mas a população em geral tem acesso aos enunciados dos exames a que esses alunos são submetidos, uma vez que são públicos. E, tomando como exemplo o Exame de História A do 12º ano de escolaridade, Prova 623/1ª fase, a população em geral pode dizer, não como manifestação de opinião subjectiva mas como constatação de um facto indesmentível, que os professores que a elaboraram são ignorantes, incultos e que não sabem pensar nem escrever.
3 -
A Prova Escrita 623/ 1ª fase de História A do 12º ano de escolaridade apresenta os habituais sinais de ininteligibilidade que os habitués conhecem como “os disparates do costume”: documentos que nada documentam (GIVD1), documentos que documentam tudo menos o que os examinadores pretendem que documentem (GIVD2) e documentos que ninguém percebe o que documentam (GIIID4); neste particular, em relação aos citados “disparates do costume” haverá apenas a salientar o GIIID1 que mais do que um documento consegue ser um tri-documento tri-disparatado.
4 -
Se, até aqui, seria apenas “business as usual”, este ano os examinadores excederam-se com a pergunta de desenvolvimento GIII5.
É conhecido que os conteúdos do Secundário estão divididos em “conteúdos estruturantes”, oficialmente referidos como tal e conteúdos não-estruturantes, oficiosamente assim considerados todos os outros, os que não têm dignidade para ascender à categoria anterior. O primeiro comentário sobre o GIII5 é que trata de um conteúdo de tipo novo: o conteúdo ausente.
5 -
Na verdade, as “prioridades económico-sociais do regime nazi” não fazem parte dos milhares de páginas que os alunos do Secundário têm de ler. Não é um conteúdo estruturante nem não-estruturante; é, pura e simplesmente, um não-conteúdo.
De seguida, pede-se o mesmo para a RFA. Aqui, já não é um conteúdo estruturante, não-estruturante ou ausente: é um conteúdo “suponhamos”. O que os alunos estudam é a Europa Ocidental do segundo pós-guerra. Seria como pedir para os alunos desenvolverem o conteúdo “os impactos económico-sociais dos Descobrimentos na Beira-Baixa”.
6 -
Os enunciados dos exames são públicos; os respectivos critérios de correcção também. E, quando vemos os ditos critérios de correcção, faz-se luz: é tudo ainda mais negro!
Afinal, o ”económico-social” da pergunta de desenvolvimento não era bem isso; não é béclair é éclair, quer-se dizer é económico, mas também pode ser social, quer-se dizer é assim no global, estão a ver, económico-social é apenas uma maneira de dizer, é preciso ver o texto para além do texto, o que eu realmente queria era umas calças…
7 -
Muitos esclarecimentos estão para vir. Vai valer tudo. Até o papel da vitória da RFA no Mundial de Futebol de 1954 na prosperidade alemã do segundo pós-guerra vai valer uns pontinhos, se alguém confundir Friedrich “Fritz” Walter com Konrad Audenauer será perdoado.
Mas, na minha modesta opinião, a verdadeira pedagogia seria atribuir a pontuação máxima a quem não tiver escrito uma única palavra na resposta à pergunta de desenvolvimento.
E pontuação máxima e um bónus a quem tiver escrito “F**********” ou palavras de conteúdo estruturante equivalente.
8 -
O Livro de Reclamações seguiu para as respectivas autoridades; depois, reclamante e dono da pastelaria receberam os devidos e doutos pareceres.
O empregado foi despedido.
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