08 December 2012

TRÊS MOSQUETEIROS E DUAS VIDAS (II)



Outro ponto de partida foi a limitação autoimposta de não ir além do trio que se encarregaria de todas as despesas vocais e instrumentais (de guitarras, teclados e percussão): “Foi deliberadamente uma construção em trio. Apenas nós, sem nenhuns convidados. E ensaiámos muito os três para descobrirmos o gozo de reinventar estas canções que, provavelmente, não encontraríamos tão depressa se tivéssemos optado por um trabalho de estúdio muito planificado em que cada um iria gravando a sua parte dos arranjos. Achámos mais importante tirar partido da nossa memória prolongada das canções”. Ou porque a infidelidade da memória é lendária, ou por outros motivos, a verdade é que, nesta reinterpretação de Os Sobreviventes, o andamento da maioria das canções é significativamente mais repousado do que aquele com que o autor as imaginou, acrescentando quinze minutos à duração do LP original. Tanto Francisca (“À excepção da 'Linda Joana' e do 'Maré Alta' que até ficaram mais curtas, é verdade. Houve certas músicas em que surgiram partes extra que não faziam parte das canções originais”) como Bernardo (“Os andamentos das canções do Sérgio são-lhe próprios e seria muito difícil eu e a Francisca, sentados ao piano ou com a guitarra, fazermos o nosso jogo métrico, canção a canção, que é a base das versões, sem que isso definisse o nosso andamento pessoal”) preferem a explicação “por outros motivos”. E associam a essa ideia o facto de se terem desembaraçado das doze peças com diferentes graus de rapidez e facilidade: “Houve canções mais imediatas do que outras. O 'A-A-E-I-O' (gostamos muito desta, conseguimos manter o lado brincalhão do original mas de uma maneira diferente), o ‘Senhor Marquês’, o ‘Romance de Um Dia na Estrada’ e a ‘Paula’ ficaram logo resolvidas. ‘O Charlatão’, por exemplo, saiu também logo assim. Já a ‘Cantiga da Velha Mãe e dos Seus Dois Filhos’, foi muito mais difícil. Mesmo ouvida agora, se calhar não é a versão que saiu melhor”.


Assessorando no capítulo da perspectiva histórica, Godinho lança duas ou três achas para o lume: “Essa canção já teve, aliás, várias vidas: a letra foi feita para uma melodia do Zeca que se transformou no ‘Cantigas do Maio’, para a qual, entretanto, ele já tinha escrito outra letra, acabando por vir para esta vida. Com a ‘Linda Joana’ também aconteceu que, quando gravei Os Sobreviventes, estava ainda com um bloqueio em relação a escrever em português e fiz algumas em francês. Esta, tal como o ‘Paula’, eram, originalmente, em francês”. E conhecer a história de cada uma delas pode ajudar a compreender algumas particularidades como, por exemplo, a de "Que Força É Essa?", adoptando uma espécie de cadência de "work song", resultar com um ar de quase resignação ao contrário da interpelação/desafio do original. Fachada justifica-se, “Acho que o sentido da nossa abordagem foi esse: parece-me que não houve nenhuma canção que não tivesse ficado mais 'ligeira'. Hoje, torna-se muito difícil interpelar as pessoas. Temos acesso a tantas perspectivas diferentes que não conseguimos pôr o pé tão à frente. As versões que já existem estão tão vivas que não nos cabia a nós, torná-la ainda mais interpelativa” e Sérgio dá-lhe a sua bênção “Eu acho que é um bocadinho mais distanciada. Tem a ver com o tipo de sensibilidade. Não vale a pena cantares como o Bruce Springsteen se não és o Bruce Springsteen. Na versão de O Irmão do Meio, o José Mário Branco pegou naquilo por um lado muito mais LopesGraça/'work song' e deu-lhe todo um outro peso que é também o do imaginário dele”. A propósito de "Farto de Voar", convertida numa belíssima canção de Robert Wyatt, Godinho também vai explorar o arquivo das memórias (“No original, já tinha um lado muito 'eerie', de regresso à terra após uma exaustão química. Aliás, falar de Robert Wyatt acerca dela soa-me meio 'freaky', porque ele voou de uma janela e ficou paralisado em circunstâncias terríveis...”) enquanto B Fachada vê o assunto por outro ângulo: “É uma das versões que gosto mais. E, se calhar, tem muito a ver com o facto de o sentido das palavras poder ser, hoje, lido de modo bastante diferente. Faz-me lembrar as versões que o Caetano fazia das canções do Chico Buarque. Cantadas pelo Chico eram muito vívidas e o Caetano, de repente, cantava-as como se, simplesmente, estivesse apaixonado pelo Chico”.


E é, justamente, aqui que a lebre do contexto exige ser levantada: 1972 não é 2012, ter (ou não) respirado a atmosfera política, social e cultural em que germinou esta dúzia de canções poderá ter sido positivo ou negativo, limitador ou libertador? Para quem se propôs dá-las, de novo, à luz, facilitou ou dificultou o parto? Fachada que, tal como Francisca, criaram estes novos Sobreviventes com a mesma idade que o seu autor os gerou, puxa pelo pragmatismo e relativiza consideravelmente as distâncias: “Claro que não termos vivido uma ditadura é sempre bom! Mas, tanto eu como a Francisca, nascemos em famílias que estiveram muito ligadas à política, crescemos a ouvir estes discos e estas canções. Por isso, a distância acaba por não ser, assim, tanta. Por outro lado, as palavras ganham uma vida independente do autor. As versões foram encaradas como uma reflexão sobre o que significa passarem 40 anos, o que permanece, o que mudou, o que cresceu”. Minta prefere sublinhar a faceta do prazer quase herético do empreendimento: “Por causa dessa distância temporal e geracional, também temos o lado blasfemo que nos permite brincar com as canções de uma forma que, se calhar, não ousaríamos se tivéssemos vivido o contexto em que elas surgiram. A certa altura, quase nos desligámos do significado político das canções, o que é estranho: estávamos, simplesmente, a brincar com os ritmos, com as harmonias...” E Sérgio Godinho, fazendo a ponte entre ambos os registos, não aparenta ter grandes dúvidas acerca da (não necessariamente agradável) perenidade do que “ser sobrevivente” significava ontem e significa hoje: “Quando o disco foi publicado, houve canções que, logo a seguir ao 25 de Abril, foram muito emblemáticas, nomeadamente, o ‘Maré Alta’ (que, ainda agora, se escuta, por vezes, em manifestações). Mas uma frase como “a liberdade está a passar por aqui” que foi escrita ainda durante a ditadura é uma afirmação que tanto está no presente como no futuro – o chão que tu pisas, se tu quiseres, é livre: defende-o!”

4 comments:

pcristov said...

excelente. há uma parte III?

João Lisboa said...

Nope. Há uma crítica ao disco (à suivre).

pcristov said...

estou atento.

Anonymous said...

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