30 July 2009

PARA LÁ DO ALPENDRE



Irene Flunser Pimentel - José Afonso/Fotobiografias do Século XX

Mesmo no final do capítulo introdutório desta fotobiografia de José Afonso, salta uma interrogação: “Mas será que hoje a sua obra é conhecida?” E, pela voz de Júlio Pereira, vem a resposta/lamento: ele ainda será apenas encarado “como uma figura muito polémica e ligada a actividades políticas” o que terá tido como consequência que “por isso, muita gente ainda não ouviu o seu trabalho”. Permitamo-nos duvidar: se é verdade que, para o bem e para o mal, José Afonso ficará sempre como o autor de “Grândola” que, ainda durante muitos anos, continuaremos, anualmente, a escutar em todas as comemorações do 25 de Abril, isso não é destino muito diferente dos de – em planos e circunstâncias diferentes – Jacques Brel como “o autor de ‘Ne Me Quitte Pas’”, de Serge Gainsbourg como “o tipo que cantava ‘Je t’Aime Moi Non Plus’ com Jane Birkin” ou de Woody Guthrie na condição de criador de “This Land Is Your Land”. Por outras palavras, haverá, inevitavelmente, quem nunca passará desse alpendre mas isso não impede que muitos outros possam ir – e as homenagens e iniciativas de difusão da obra não têm sido poucas – mais longe e mais fundo. O livro de Irene Pimentel vem contribuir de forma importante para que virtualmente tudo o que foi dito, fotografado e escrito acerca de Afonso (e por ele próprio) fique, agora, aqui reunido e disponível; o que, se constitui uma imensa riqueza biográfica, por outro lado, perturba, por vezes, a fluência da leitura, de tal modo obriga a uma esgotante prova de obstáculos por entre sucessivas citações. Mas que acaba, afinal, por se ultrapassar com o prazer que decorre de deparamos com nacos de prosa afonsina como aquele em que ele, preparando-se para regressar do Algarve a Coimbra, anseia por que alguém lhe pague “de vez em quando, um almoço” e espuma contra a sina dos “monstros sagrados tristemente burocratizados em profissões indignas e ignorados por todos os brutamontes deste ignóbil e pírrico music-hall português”, ele a quem, como recorda o irmão João, tanto seduzia “o hábito do jogo e dos disparates (…), improvisações de discursos macarrónicos, frases feitas, coisas sem nexo e surrealizantes”.

(2009)

1 comment:

margarete said...

Domingo passado preparava-me para recolher quando começo a ouvir Zeca Afonso, havia um festa no meu bairro, qualquer coisa dos avós...
dei um salto ao largo e por lá fiquei no meio de uma multidão que trauteava as canções a acompanhar os músicos

é sempre muito diferente de se ouvir em casa (Grândola, cá em Coimbra no 25 de Abril, só oiço em casa :()