25 November 2008

LUXUOSA DECADÊNCIA
 
  
Marianne Faithfull - A Secret Life
 
Começa com um excerto da Divina Comédia, de Dante ("Midway this way of life we're bound upon, I woke to find myself in a dark wood where the right road was wholly lost and gone") e termina com outro da Tempestade, de Shakespeare ("We are such stuff as dreams are made of and our little life is rounded with a sleep"). Pelo meio, no decurso de "Bored By Dreams", deixa cair, quase inadvertidamente, num murmúrio, "after a certain age, every artist works with injury". Segundo se anuncia, este seria o álbum do apaziguamento de Marianne Faithfull. Será, pelo menos, o apaziguamento possível em alguém para quem a ideia de paz interior nunca foi a descrição mais adequada.
 
"Love In The Afternoon" (álbum integral aqui) 
 
E que, ao escolher para compositor das melodias que, em A Secret Life, envolvem os seus textos o mesmo Angelo Badalamenti dos pesadelos narcóticos de David Lynch e da mórbida suavidade de Julee Cruise, acertou no encenador exacto para o trecho mais recente do seu teatro privado. Como talvez se adivinhe, esta Secret Life é a de uma luxuosa decadência. Já não se debate violentamente por entre fúria e imprecações como em Broken English nem se refugia na interpretação de versões de outros como fizera em Strange Weather. Agora, num disco confessadamente acerca de "love, sex and doubt", fala na primeira pessoa, ocasionalmente socorre-se do apoio de Frank McGuiness (autor de "Someone To Watch Over Me"), mas conduz todo o percurso por portentosas cortinas orquestrais, melodias de uma enganadora serenidade clássica e um quase comprazimento na beleza infinita de uma dor que se aprendeu a apreciar. Se calhar, só um efeito do tempo e da distância que ensinaram como os sonhos podem provocar o tédio e obrigaram a compreender que "things are never what they seem, they play a part most of the time". Amarga e magnífica Marianne Faithfull. (1995)

2 comments:

Anonymous said...

ainda bem que não deu à Patti Boyd para experimentar cantar umas canções escritas por outras pessoas famosas, senão temo que também iria fazer as delícias d'alguma imprensa musical cor-de-rosa, com a sua voz de bagaceira.

João Lisboa said...

A sério?