METAL NOBRE
Richard Thompson - Sweet Warrior
Uma extraordinária singularidade cósmica deverá seguramente ter tido lugar a 27 de Maio de 1967, com efeitos particularmente intensos sobre a região de Londres: no mesmo dia e, muito provavelmente, à mesma hora, na igreja de St Michael (a noroeste da capital britânica) e no Royal Festival Hall, subiam pela primeira vez a um palco, respectivamente, os Fairport Convention e os Pentangle. Por outras palavras, apenas as duas bandas (faltará apenas somar-lhes os Steeleye Span, constituídos dois anos mais tarde pelo dissidente dos Fairports, Ashley Hutchings) que estiveram na origem do “big-bang” que criou o folk-rock britânico e, de caminho, começou a desenrolar o novelo de uma das mais intrincadas genealogias – entre grupos, subgrupos, projectos laterais e carreiras individuais – da música popular. A reforçar ainda mais o elevado grau de improbabilidade de tudo isto acontecer, em ambas as bandas se encontravam dois elementos sem qualquer relação familiar mas com o mesmo apelido: Richard Thompson e Danny Thompson.
Aligeiremos a revisão da matéria histórica e recordemos apenas que, acerca de Richard Thompson, nunca será excessivamente sublinhado quanto ele (nos álbuns com Linda Thompson e a solo) adquiriu o estatuto de membro de absoluto direito do mui exclusivo clube de “songwriters” onde nos habituámos a encontrar Dylan, Cohen ou Elvis Costello – não esquecendo que, enquanto guitarrista, tem lugar cativo naquele panteão onde não é autorizada a entrada ao primeiro Eric Clapton que bata à porta; Danny Thompson, contrabaixista, não só já detinha respeitável currículo pré-Pentangle, como, posteriormente, o enriqueceu, ao lado de John Martyn, June Tabor, T. Rex, Nick Drake, Marianne Faithfull, Tim Buckley, Kevin Ayers, Moondog, Incredible String Band ou David Sylvian... e do próprio Richard Thompson (onze álbuns desde 1988, para além do magnífico Industry, 1997, co-assinado por ambos). Ah!... e (sim, é verdade) ambos se converteram ao sufismo islâmico.
É, então, perfeitamente natural voltar a descobri-los juntos em Sweet Warrior, o novo opus de Richard após Front Parlour Ballads (2005), com interpolados DVD (1000 Years Of Popular Music) e portentoso caixotão de 40 anos de raridades e inéditos (The Life & Music Of Richard Thompson), os dois de 2006. “Um álbum de tempo de guerra” é como Thompson o qualifica, socorrendo-se de um soneto de Edmund Spencer (“Sweet warrior when shall I have peace with you? High time it is the war now ended were”) para lhe definir os contornos: o conflito demasiado humano entre as eternas personagens de enredos de “love gone wrong", entre absurdos impérios, pátrias e povos (o Iraque do devastador “Dad’s Gonna Kill Me” – “It’s somebody else’s mess that I didn’t choose, at least we’re winning on the Fox Evening News” – ou a Irlanda de “Guns Are The Tongues”), entre menos que nada e as vis iniquidades domésticas (“And by and by they get get down to the job of man and wife, back to the old comforts of the missionary life”), em catorze sobrenaturais canções esculpidas naquela matéria-prima a que a tradição britânica, a fibra do rock’n’roll e uma certa sobriedade enxuta conferem a indispensável densidade de metal nobre para edificar mais um clássico instantâneo de Richard Thompson. (2007)
02 September 2007
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