29 August 2007

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (X)



"O que eu faço é escrever canções com três patas que conseguem ter-se de pé sozinhas. Desenvolver uma canção em estúdio é como cortar um dedo para o fazer entrar numa luva. Corre-se sempre o risco de ficar com mais luva do que dedo. Em Bone Machine, o que quis foi criar esqueletos de canções, não sei se cheguei lá ou não. Gosto de lengalengas simples e directas. Escrever uma canção é como talhar um pau em bico. Gosto de canções escritas em hora e meia, gosto do trabalho que isso implica. Algumas canções são feitas de madeira, outras de vidro e outras de papel. Essas, quando o vento pára, deixam de voar, termina a sua existência.

(...)

"O rock é interminavelmente obrigado a corrigir-se a si próprio como acontece com todas as músicas vivas. É como uma parede que é sucessivamente coberta de cartazes, cobertos por graffiti e recobertos por outros cartazes. Mas o rock tornou-se um enorme cartel, um grande negócio, uma feira.

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"Quando se faz uma digressão, é necessário inventar todas as noites novas circunstâncias. Gosto de me transformar: em animais, em insectos diferentes, gosto de uivar, de gritar... Numa sala silenciosa, tem-se demasiada consciência da própria voz. Gosto da minha voz, posso fazê-la pequenina ou enorme. E, se tiver uma laringite ou ficar afónico durante uma digressão, ninguém repara... Cantar uma canção em palco é como tentar beber um copo de água com uma mão artificial. Gostava de descobrir um processo que, para mim, fosse simples. Sete músicos, luzes, todo esse ritual é demasiado esgotante. Apetecia-me acabar com isso tudo. Só precisava de uma máquina de fumos, um megafone e um palco do tamanho de uma mesa. Actuava em parques de estacionamento diante de pessoas que tivessem pago mil dólares sob a garantia de que a sua vida iria ser mudada para sempre.

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"As canções são grandes viajantes e vêm de sítios muito distantes e diversos. Umas vezes, somos nós que as encontramos, outras, são elas que dão connosco. Às vezes, quando chegam, andamos em viagem. Outras, já somos demasiado velhos. Muitas passam tão depressa que nem tempo temos de as ver. Só as sentimos passar por nós como uma rabanada de vento. O importante é apanhá-las em voo, fabricá-las rapidamente e guardá-las bem. Senão, fogem para sempre.

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"Durante as gravações de Bone Machine, apercebi-me de coisas que antes já entendia mas não era capaz de definir: tocar num estúdio é um sofrimento, uma tortura absolutamente antinatural e frustrante. E, no entanto, toda a gente paga para lá estar! Além disso, os músicos parecem-me estátuas de sal, seres fantásticos de uma outra dimensão. São como aquelas cabeças de animais nos salões das casas dos grandes caçadores. É necessário que tudo isso mude. É imprescindível humanizar a música gravada.

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"Nas minhas canções, não procuro o lado triste e sombrio da vida mas também não sou insensível ao ponto de fechar os olhos e fingir que nada de mau sucede à minha volta. O meu trabalho é claro: contar histórias. E, de quando em quando, algo me murmura ao ouvido coisas bonitas e tristes, dramas sangrentos e histórias de veludo. Escuto-as todas e depois escolho. Em geral, prefiro as mais reais, aquelas que me fazem cravar as unhas no tampo da mesa sem dar por isso. Quando dou pelo sangue, sei que a canção é boa.

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"Em Bone Machine, a morte é o único tema. Em última análise, é um assunto com que temos de lidar. Pode-se lidar com ele mais cedo ou mais tarde mas isso acabará inevitavelmente por acontecer. Algum dia lá iremos fazer bicha para beijar o cú ao diabo. É evidente que teremos lugares diferentes na fila e o número da senha de alguns será mais alto. E também há-de haver uns espertalhões a querer passar à frente...

(...)

"Tenho andado a folhear a Bíblia mas só quando ando à procura de qualquer coisa. Recordei-me de como o Apocalipse é particularmente dramático. Por outro lado, aqui onde vivo há imensos abutres. Tenho andado a observá-los. Está a ver ali aqueles sete postes? Em cima de cada um há um abutre. Estão todos a observar um coelho no meio da estrada, à espera que os carros abrandem ou parem. Atiram-se sempre primeiro aos olhos. É como um pequeno 'hors d'oeuvre'... Se nos deitamos meia hora debaixo de uma árvore, começam logo a sobrevoar-nos em círculos, a notícia espalha-se depressa...

(...)

1992

(2007)

1 comment:

Anonymous said...

Well when I see my parents fight
I don't wanna grow up
They all go out and drinking all night
And I don't wanna grow up
I'd rather stay here in my room
Nothin' out there but sad and gloom
I don't wanna live in a big old Tomb
On Grand Street

ó yeaaaaah!!!!