16 July 2007

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (IV)



"Acho que sou capaz de me ver casado. Mas não sei bem... é uma coisa que me desilude sempre. Porque é que o sonho é sempre mais doce do que a realidade? Mas não sou um animal de sangue frio. Gostava de ter, um dia, uma casa e filhos.

(...)

"Hoje em dia, só bebo se estou com alguém ou quando estou sozinho. Não, a sério, ando a ver se deixo de beber mas, sempre que paro, fico tão nervoso que tenho de tomar um copo.

(...)

"Os heróis de hoje são os empregados das áreas de serviço de amanhã. Sorte a minha ser um belo mecânico de automóveis... Prefiro ser um fracasso de acordo com os meus padrões do que um sucesso segundo os de outros. A indústria tem o hábito de nos mastigar e deitar fora. Sempre acreditei que é mais importante a forma como actuamos sobre o público do que saber quantas pessoas estão sentadas na plateia.

(...)

"Costumava sonhar com o Jack Kerouac. Recordo-me perfeitamente de um sonho: estava na cozinha de um apartamento, algures no Midwest. Havia uma festa e eu estava sentado no chão da cozinha, quando o Kerouac entrava de repente pela porta dentro. Arrastava uma miúda mexicana pelos cabelos que atirava contra o frigorífico e começava a espancar. Ele gritava, ela gritava e, de repente, eu acordava".

1979




"Todos os autores de canções passam por várias fases. Neste momento, estou a aprender a escrever mais depressa. Costumava deixar que as canções se arrastassem durante meses e meses. Agora para Heartattack And Vine foi tudo muito mais espontâneo. E, pela primeira vez, deixei o baterista usar baquetas em vez de vassouras...

(...)

"Uma noite, estava num bar em Hollywood Boulevard, perto de Vine Street, quando entrou uma senhora com um animal morto nos braços e todo o ar de quem tinha estado a dormir ao relento. Dirigiu-se ao barman e disse-lhe 'Vou ter um ataque de coração'. Ele respondeu-lhe 'Sim, sim, está bem, mas é melhor ir tê-lo lá fora'. Aquilo deu-me um arrepio. Por isso, rebaptizei Hollywood Boulevard de 'heartattack'.

(...)

"Montclaire de Havelin foi um nome que inventei quando andava na estrada. Quando chegava a um hotel, escrevia o meu nome verdadeiro no impresso e, por causa disso, tive algumas experiências menos agradáveis. Decidi então mudar de nome, pelo menos na estrada, para evitar que certas pessoas com quem não me apetece conviver pudessem entrar em contacto comigo".

1980


"A minha mulher é de Johnsburg, no Illinois. Cresceu numa quinta perto daí. Por isso, 'Johnsburg, Illinois' é-lhe dedicada. Quis despachar tudo numa estrofe. Há situações em que trabalhamos numa canção e, na segunda estrofe, repetimos a primeira. Por isso, pareceu-me melhor a situação do marinheiro que, algures num café, abre a carteira, se vira para o tipo mais proximo, lhe mostra o retrato enquanto fala e diz 'É ela', fecha a carteira e mete-a outra vez nas calças. Encontrámo-nos num funeralzito miserável numa vilória miserável chamada San Casedra. Ela era trapezista no circo Vargas e estávamos os dois debaixo do mesmo chapéu de chuva. É uma longa história. O primeiro marido dela já andava pelos setenta anos e morreu engasgado com um osso de galinha.

(...)



"Quando a minha mulher ouviu 'Town With No Cheer' pela primeira vez, disse-me 'Tu deves ter gostado mesmo muito dela!' Respondi-lhe: 'Espera lá... isto não é uma canção de amor. É acerca de um tipo que não consegue descobrir um sítio para beber um copo!'

(...)

"Coppola é um anjo, um homem com uma visão. Quer ser um daqueles velhos tubarões com um charuto enorme mas não o charuto do costume — ele gosta mesmo do que faz. Preocupa-se com o cinema e com o rumo que ele toma.

(...)

"O Dicionário do Diabo define a fama como 'ser notoriamente infeliz'. A maioria dos problemas relacionados com a fama é inflingida pelos próprios artistas e não pelo público porque eles usam a imprensa como se se tratasse de um confessor. Contam-lhe os detalhes mais privados da sua vida e isso pode ser muito perigoso. Também é um bocadinho reles se pensarmos que isso deveria ser preservado apenas para a família e os amigos.

(...)

"Não há nada mais embaraçoso do que tentar adivinhar o que o grande público americano deseja, aceitá-lo e espalhar-se ao comprido. Espero nunca cair nessa esparrela".

1983

9 comments:

Ana Cristina Leonardo said...

cada vez melhor

Anonymous said...

«Hoje em dia, só bebo se estou com alguém ou quando estou sozinho.» ahahahahah!

Anonymous said...

O mais fantástico disto tudo é Ele ter carne e osso. Como nós.

pauloduartebarbosa said...

Gonçalo, ainda estou na fase de Tomé, O Incrédulo. Espero chegar a Tomé, O Crente.

Anonymous said...

Onde escreves agora Gonçalo?

pauloduartebarbosa said...

Eu tenho-o lido por aqui em formato digital, Manel http://apedreira.blog.com/

Anonymous said...

Obrigado Paulo. Já dei uma espreitadela. ahaha Vi agora que puseste aquele vídeo brutal do tio Tom com o peixe no teu blog.

pauloduartebarbosa said...

Serviu para o "eyeball kid" fazer uma referência ao "Fishing With John" :D

Senti-me tão estranho como poder comentar no blog do João Lisboa, de quem comprei o primeiro livro sobre o Tom Waits.

Tempos engraçados estes que vivemos...

João Lisboa said...

Yup...