24 November 2024

MEA MAXIMA CULPA (VII)

(publicado no nº 11 da "Granta")

(sequência daqui) Mas verdadeieamente sísmico foi o encontro imediato com os Rollerskate Skinny! No "field report", relataria quase telegraficamente "um concerto de rock flamejante (como em 'gótico flamejante') construído sobre um 'patchwork' de Sonic Youth na técnica de esforço dos materiais, Echo & The Bunnymen na complexidade da arquitectura, Pixies na disciplina formal e Neil Young no arrojo clássico, num somatório elevado à milésima potência". Porém, escutado Horsedrawn Wishes (1996), não houve hipérbole insuflada que bastasse para traduzir o estado alterado de consciência por via exclusivamente sonora. Começava — evidentemente — com "Toca-me então a mim finalmente dizer: eu vi o futuro da pop e ele chama-se Rollerskate Skinny!" e terminava, claro, bradando "Peço imensa desculpa mas este não é o meu álbum do ano, estou a reservar-lhe o lugar da década. Quanto ao século, se não se importam, dêem-me mais algum tempo para pensar". Pelo meio, avistava "uma prodigiosa (estou a pesar bem as palavras) montagem de 30 anos de pop, aos quais o trio de 'dubliners' extraiu todas as fibras vivas e, como Frankensteins competentes, a partir delas criou um novo organismo (...), rebuçados de melodia embrulhados em esquadrias de ruído, cenários surreais atravessados por intromissões lunares, moinhos sonoros e corais docemente labirínticos. Um edifício construído como uma catedral medieval desenhada por um Hyeronimus Bosch que trabalhasse para Walt Disney, com tanto de arte pop como de iluminura gótica (...), 'flashes' de Pet Sounds e o género de caótico bricabraque psicadélico de alquimistas esotéricos como Van Dyke Parks e os XTC. Queiram perdoar a miserável limitação das referências: aqui também há Gershwin, Pixies, Steve Reich, música concreta, Glenn Branca, Kevin Ayers e Ramones. Muito raras vezes 12 composições fizeram tão perfeito sentido de modo a ser absolutamente impossível excluir umas ou destacar outras. Aquilo com que muitos outros sonharam, os Rollerskate Skinny realizaram".

Seis meses mais tarde, no entanto, no balanço de final do ano, acalmada a extra-sístole e controlada a temperatura corporal, limitavam-se a surgir numa lista de 20 "clássicos, neoclássicos e estetas da colagem alucinada nos vários sectores do espectro pop/rock" que "através de reedições e novas publicações (...) marcaram distâncias em relação ao revisionismo puro e simples de que o 'britpop' se arvorou em paladino". Horsedrawn Wishes, segundo álbum da banda cujo nome fora subtraído a uma frase de The Catcher In The Rye, de J. D. Salinger ("She's quite skinny, like me, but nice skinny, rollerskate skinny") seria também o último. Várias vezes me interroguei se não me teria transformado num involuntário lançador de mau olhado sobre indefesos jovens génios irlandeses. (segue)

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