"Heavily persecuted, highly influential: China’s online feminist revolution"
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POR FAVOR, NÃO PANTEONEM O EÇA!
"T. aconselhou, então, que se forrassem as paredes com pele humana: um outro achou ostentosa a pele humana, e disse, beatificamente, que, como mais modesta e mais duradoura lhe parecia preferível a pele catedrática. Outro instou para que se forrasse o quarto com as folhas dos compêndios: eu opus-me severamente a isso, dando as mesmas dolorosas razões que daria um preso se lhe quisessem forrar as paredes da enxovia com um tecido feito dos seus próprios remorsos"
Carta a Carlos Mayer
A passagem em epígrafe indicia, de maneira inequívoca, que, para o grande poeta satírico que foi Eça, não havia limites para o atrevimento da sua língua mordaz. Desde afirmar, em certo momento de indignação, que a bandeira portuguesa, em vez de cinco quinas, devia ter cinco nódoas, até pedir a Ramalho Ortigão que fizesse desbocada chantagem com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrade Corvo, pedindo-lhe que lhe pagasse (a ele, Eça), se não quisesse que este publicasse um romance que deixaria a reputação de Portugal pelas ruas da amargura – valia tudo. Sem excluir que disse, em carta a Pinheiro Chagas, que “o nosso império no Oriente fora um monumento de ignomínia.” A vigorosa defesa que fez, em Cuba, dos trabalhadores chineses oriundos de Macau, miseravelmente exploradas pelos cubanos, fê-lo em termos que os diplomatas não costumam afagar. Livros como A Relíquia, ou A Capital ou O Conde de Abranhos ou O Crime do Padre Amaro, não costumam ser currículo academizável ou panteonável. Eça era destemidamente atrevido e a sua graça reguila era um dos seus irresistíveis encantos. Este impenitente Gavroche que sempre suscitou admirações de gente de paladar linguístico apurado, mas nunca o “entusiasmo” de multidões, merece, como ninguém, que o deixem fora das pompas solenes de um cortejo panteónico. Eça foi sempre um “gamin” de alto gabarito: deixem, pois, continuar a sê-lo, à revelia das recomendações “catedráticas” daqueles cuja pele serviria bem para forrar as paredes de um quarto, mas para pouco mais. Eça de Queiroz e a pompa não são miscíveis. Quem não compreendeu isto não compreendeu nada da sua obra. Podem ter escrito muito sobre vele, mas não escreveram, de modo nenhum, SOBRE ELE PROFUNDO. Ponham-se agora a catar nos textos, a ver se ele, em algum lado, disse ou não disse, explicitamente, que quereria ir ou não ir para o Panteão. Não hão de ir longe. Não é aí que se encontra a resposta.
Eugénio Lisboa (sequência daqui)
"Messenger Birds" (álbum integral aqui)
SEM VÉUS NOS OLHOS
Aparentemente, a atmosfera na Holy Child Convent School, de Dublin, não era tão aterradora como a das masmorras católicas sob o disfarce de orfanatos (em actividade por toda a Irlanda) dirigidas pelas Sisters Of Mercy, sobre as quais Joni Mitchell escreveu e cantou a arrepiante "The Magdalene Laundries". Mas, ainda assim, recorda Clodagh Simmonds, quando ela e Alison O'Donnel foram convocadas a comparecer perante a autoridade do colégio a propósito das actividades musicais a que se dedicavam - advertiram-nas de que a vida não é um sonho e a sabedoria apenas pode ser alcançada com a passagem dos anos e a obediência às regras -, a resposta a isso só viria mais tarde na forma de uma das canções ("Reverend Sisters") que incluiriam no primeiro e único álbum dos Mellow Candle: "All your words and teachings left some imprint on my memory, though I'm sad it had to be this way, as you said we change with every day, Reverend Sisters though I hate to say it, now the veils are lifted from my eyes and I can see". (daqui; segue para aqui)
Apesar de recitar a cartilha certinha, por não ter, aparentemente, pedido autorização aos chefes, a direcção da micro-seita social-fascista uiva nada ter a ver com o assunto e que as declarações do músico da Brigada Victor Jara "só responsabilizam o próprio"
TRABALHAR PARA A MUSA
Num daqueles momentos charneira em que, na data, se torna obrigatório passar a colocar um "antes de" e "depois de" – falo de 2004 e da finalmente concretizada restauração de Smile, de Brian Wilson/Beach Boys –, veio bastante a propósito explorar e inventariar o que restaria ainda de tesouros ocultos numa era em que a Net desvendara já muito do que (entre "bootlegs", "lost albums", pepitas de lado B e infinitas outras raridades) alimentara a imaginação de duas ou três gerações de fãs. E, por aí, foram sendo exumados projectos nunca, até então, concretizados ou ignorados. Foi o caso de Household Objects, dos Pink Floyd (1973): após o sucesso planetário de Dark Side Of The Moon, Waters, Wright, Mason e Gilmour, ocuparam-se com a gravação da sonoridade de objectos domésticos – copos de vidro, caixas de cartão, elásticos, tiras de borracha... – para o que poderia ter sido, mas nunca foi, um encontro entre rock e "musique concrète". (daqui; segue para aqui)