28 December 2021

 
 
(sequência daqui) "Se um desejo de felicidade e de inocência suscitava nas almas devotas a ideia do paraíso terrestre, para os miseráveis e famélicos de todos os tempos a imagem das delícias de Cocanha sempre suscitou desejos mais terrenos de sair da penúria e satisfazer apetites mais animalescos e imperiosos. Os vários relatos dirigem-se muitas vezes aos deserdados, anunciando que também para eles é chegada a hora de viver à vontade. A lenda da Cocanha não nasce em ambientes impregnados de misticismo, mas entre as massas populares que passam fome há séculos. A liberdade de que se goza em Cocanha é tal que, como no Carnaval, as coisas podem ser viradas de pernas para o ar e um aldeão pode zombar de um bispo. De facto, associado à lenda da Cocanha, temos o tema do mundo às avessas, com homens puxando um arado guiado por um boi, um moínho ao contrário, onde o moleiro usa a canga no lugar do asno, um peixe que pesca o pescador ou animais que admiram seres humanos em jaulas" (Umberto Eco - História das Terras e Lugares Lendários)

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