Cantigas do Maio (álbum integral)
(sequência daqui) Agora que se assinala meio século sobre o lançamento das três gravações que deslocaram decisivamente o centro de gravidade da música popular portuguesa – Mudam-se Os Tempos, Mudam-se As Vontades, Os Sobreviventes (estreias em álbum de José Mário Branco e Sérgio Godinho) e Cantigas do Maio, de José Afonso e produzido por Mário Branco – não é irrelevante recordar como, na atmosfera da época, esse abalo se produziu. Zeca Afonso era já uma figura decisiva no campo da oposição política e cultural – seria preso em Caxias por duas vezes – ao Estado Novo: tinha já gravado Baladas e Canções (1964), Cantares do Andarilho (1968), Contos Velhos Rumos Novos (1969) e Traz Outro Amigo Também (1970) mas não apenas continuava ainda demasiado preso às coordenadas estéticas das baladas de Coimbra – embora, a partir de Contos Velhos..., começasse a alargar o espectro da sua paleta sonora – como, por outro lado, ele que encarava a escrita enquanto “uma espécie de exorcismos ou evocações de vivências populares, com termos e vocábulos que já não existem e que me reportam a uma certa saudade de aspectos de uma vida comunitária que, agora, me ultrapassa (...), uma espécie de estado de semiconsciência em que as palavras vêm à superfície, desligadas de qualquer necessidade lógica”, ver-se-ia acusado dos gravíssimos desvios de “poetismo”, “hermetismo” e de “não compreender a função da música na vida das massas”. Ou, no outro lado da barricada, de excesso de “panfletarismo”. Era um momento em que, à canção popular, pouco mais se exigia do que ser o equivalente musical de uma palavra de ordem ou de uma pichagem, coisa que incomodava seriamente José Afonso (“A canção de protesto está a transformar-se num bem de consumo e num álibi de consciências”) e lhe alimentava o desejo de “matar definitivamente a choradeira das baladas”. (segue para aqui)
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