13 April 2021

OLHAR PARA O SOL
O "small talk"-quebra-gelo inicial obedeceu, inevitavelmente, ao protocolo da época: em Oakland, na Califórnia, a situação melhora, do "lockdown" rigoroso para “apenas” vermelho – “Já há algumas salas de espectáculo e cinemas abertos” – e a interrogação que se segue – “E aí, em Lisboa? Lisboa é também o seu apelido, não é?...” – permite a resposta de sucesso assegurado – “Sim, sou o primo português do Jack London” – que conduz a descobrir que, em Oakland, existe uma Jack London Square. Pandemia, literatura e toponímia arrumadas, Merrill Garbus e Nate Brenner, a dupla Tune-Yards, a 9 099 quilómetros de distância, via Zoom, explicam que, para chegar ao novo álbum, Sketchy, foi preciso demolir algum "writer’s block" embora sem demasiadas dores de parto: “O Nate não se cansa de recordar-me que me sinto sempre dessa maneira quando acabo um álbum. Sempre. Mas é só uma questão de não nos esquecermos de que este é o nosso trabalho e encararmos uma coisa de cada vez. Não falhar o compromisso de ir para o estúdio todos os dias, não pensar demasiado, e fazer o que tem de se fazer. Andar em frente”.
 
  
Não constitui exactamente outro bloqueio mas uma constante, quase uma obssessão, em toda a discografia dos Tune-Yards (Bird-Brains, 2009, Whokill, 2011, Nikki Nack, 2014, e I Can Feel You Creep Into My Private Life, 2018): a interrogação acerca de sentirem-se ou não autorizados a apropriar-se de elementos das culturas africana e afro-americana. Coisa intrigante quando se sabe como a própria história da música – no rock, na clássica, no jazz – se ergueu sobre essa interminável e praticamente natural pilhagem. “Provavelmente é natural. Para aqueles de nós que possuem ouvidos (risos) é natural ouvir alguma coisa e, a seguir, regurgitá-la. Ou imitá-la. É assim que aprendemos a falar. Mas o que importa é o contexto em que me situo enquanto música branca: como lidar, neste país, num momento em que pessoas de cor são massacradas pelo Estado, com o facto de me ser possível ganhar dinheiro com esta música de um modo que não está ao alcance de todos. Sou fã de hip hop desde há muito tempo mas a minha relação com ele é distante, de fora para dentro, nunca vivi a realidade de sentir que o meu corpo está em perigo”, argumenta Merrill. (daqui; segue para aqui)

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