IMPERFEITAMENTE IMPERFEITO
Era já noite e Nick Cave caminhava pelas ruas brilhantes de chuva, junto à igreja de Saint Mary Abbots que, diante dele, se erguia “misteriosa e vazia, com o pináculo iluminado a tocar os céus”. Foi nesse momento que lhe ocorreu a pergunta que, em Janeiro, nos “Red Hand Files” – o seu blog/"newsletter online" –, o Tom, de Chicago, Illinois, e a Leah, de Ypsilanti, no Michigan, tinham enviado: “Is shitty art worth making?” Gravemente, Cave responde: “A Bíblia abre com a história da criação – ‘No princípio, Deus criou o céu e a terra’”. E, qual teólogo benignamente pedagógico, prossegue: “A história conta-nos que Deus considerou que a sua criação era ‘muito boa’. Devo dizer que concordo inteiramente – o mundo não é apenas muito bom, é perfeito – tão perfeito que é capaz de conter em si coisas profundamente imperfeitas. É uma obra-prima que envolve uma falha essencial e estimulante – a nossa humanidade. No que respeita à ‘shitty art’, toda a arte é perfeitamente imperfeita – tal como o próprio mundo – e, em certa medida, todos os juízos de valor acerca dela são largamente subjectivos e despropositados. (...) Qualquer coisa que nos anime positivamente é uma reencenação da história original da criação. Tenhamos ou não consciência disso, criar arte é um encontro religioso”. Regressando à chuvosa noite inicial, conclui: “E, de súbito, era um momento perfeito – um momento perfeito alojado numa catástrofe humana partilhada mas, ainda assim, perfeito”. (daqui; segue para aqui)
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