31 March 2020

POEMA PARA BEATRIZ
 

Maria McKee? Não deve ser exactamente uma multidão o número daqueles a quem, por esta altura, esse nome fará tocar uma ou duas campainhas. Por motivos bastante concretos: da valquíria "cowpunk" que, desde 1982, aos 18 anos, à frente dos Lone Justice (e integrando o mesmo destacamento a que pertenciam Jason & The Scorchers, Beat Farmers, Long Ryders, Rank & File ou Meat Puppets), assinou o óptimo Lone Justice (1985) e o menos notável Shelter (1986) e, posteriormente, a solo, nos seduziu o ouvido com Maria McKee (1989), You Gotta Sin To Get Saved (1993), Life Is Sweet (1995) e High Dive (2003), não havia notícias há 13 anos. Pelo caminho, deixara o único tema original – "If Love Is A Red Dress (Hang Me In Rags)" – da banda sonora de Pulp Fiction e trepara até pelas tabelas de vendas com "Show Me Heaven", do trambolho cinematográfico Days of Thunder

 
Só por essa lomga ausência, a publicação de La Vita Nuova seria já um acontecimento assinalável. Mas é-o muito mais ainda na medida em que se trata, verdadeiramente, de uma segunda vida para Maria Luisa McKee: anunciando-se renascida como “a pansexual, polyamorous, gender-fluid dyke” e activista dos direitos LGBT, "a queer leftist witch” iniciada numa loja da Hermetic Order of the Golden Dawn de Yeats e Crowley, e – jura – em comunicação espiritual com Bryan MacLean (o irmão mais velho já falecido, fundador dos lendários Love), mudou-se dos EUA para Inglaterra e aí mergulhou na música de Scott Walker, Vaughan Williams, Bowie, John Cale e Sandy Denny, e nas obras de Keats, Swinburne, Dickens, Blake e Dante. Foi a este que tomou de empréstimo o título do álbum acerca do qual teríamos bastas justificações para recear o pior. Nada de mais errado: La Vita Nuova, gravado com uma orquestra de 19 elementos, é uma avassaladora obra-prima com aquela patine “antiga” que evoca a Sandy Denny mal-amada de Like an Old Fashioned Waltz e Rendez Vous, mas também, aqui e ali, Joni Mitchell, e toda a constelação de divindades tutelares que a si quis chamar para este imenso poema à sua Beatriz.

9 comments:

Daniel Ferreira said...

A única «campaínha» que me soa é a crítica ao álbum Maria McKee no Expresso (se a memória não me falha, foi capa do Cartaz). E fico-lhe muito agradecido por me ter dado a conhecer a música mais bonita que ouvi este ano (I Should Have Looked Away).

João Lisboa said...

:-)

No álbum há várias outras das músicas mais bonitas que vai ouvir este ano,

Daniel Ferreira said...


«No álbum há várias outras das músicas mais bonitas que vai ouvir este ano»

Espero poder confirmar em breve :-)

E não se esqueça de corrigir o erro ortográfico. Nem parece coisa sua, caramba!

João Lisboa said...

"o erro ortográfico"

Não tinha reparado. Mas é um problema que eu tenho com a acentuação de algumas palavras: eu sei que é "campainhas" mas o meu ouvido diz-me que deveria ser "campaínhas" - isto é, sem o acento, leria "ai".

Mas obrigado.

Daniel Ferreira said...

Eu também sinto essa dificuldade. As regras e regrinhas de acentuação em português são um castigo por estarem cheias de excepções. Tal como, por exemplo, é fácil escrever «combóio» em vez de «comboio» :-)

João Lisboa said...

Já agora, uma das coisas úteis que o Aborto Ortográfico poderia ter importado do Brasil era o trema. Nunca percebi porque devemos ler "seqUência" ou "argUido". O trema esclarecia tudo.

Daniel Ferreira said...

Também tenho a mesma opinião sobre o trema. Entretanto, aprendi que a importação do mesmo seria, na verdade, uma reintrodução:

https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/fonetica-qua-quo-que-e-qui/7035

Muitas das excepções à acentuação são puramente etimológicas, estando relacionadas com a origem latina ou grega do vocábulo. O link que lhe envio fornece algumas explicações adicionais.

Daniel Ferreira said...

Já agora, não quis dizer «o trema esclarecia», mas sim «o trema esclareceria», que é outra falha de conjugação muito frequente :-)

João Lisboa said...

"outra falha de conjugação muito frequente"

:-))))

Eu funciono muito de ouvido. Há coisas que, mesmo tendo consciência de que fogem à "boa norma", se o ouvido me diz para ignorar, ignoro.

Neste caso, embora aceite que "esclareceria" é melhor, "esclarecia" não me provoca urticária nos tímpanos.