É prá quarentena
Entre 2008 e 2011, a Islândia, como o resto do mundo, estava em crise profunda. E, como no resto do mundo – apesar de o país ter sido lesto a engaiolar cerca de duas dezenas de meliantes da alta finança –, algumas das 350 000 criaturas que povoam o grande rochedo de gelo e lava no Atlântico Norte começaram a alimentar ideias de privatização e venda de recursos naturais para acolchoar o desastre. Björk não apenas se manifestou, pública e veementemente, contra tais projectos mas tirou partido das circunstâncias para se lançar na concepção e criação de Biophilia, o género de peça conceptual multimédia que, tivesse Wagner à sua disposição toda a tecnologia contemporânea, bem poderia ter criado enquanto exemplo supremo da Gesamtkunstwerk (a obra de arte total). Imensa “meditação sobre a música, a natureza e a tecnologia” e “first app album”, por ocasião da estreia no Manchester Museum of Science and Industry, em Julho de 2011, Björk explicava-se: “Por questões de defesa ambiental, tinha-me envolvido bastante em iniciativas que procuravam encorajar as pessoas a pensar que existem coisas mais importantes do que construir mais umas quantas fábricas de alumínio. É impossível viver em sociedades totalmente separadas da natureza, cortar esse cordão. Pude conceber um programa diferente para cada canção, baseando cada uma num elemento diferente da natureza, abordando-o, ao mesmo tempo, sob um ângulo emocional e musicológico. Era como se estivesse a elaborar um projecto sobre o Universo e tudo à volta!”
E, para dez canções estruturadas a partir dos movimentos celestes ou do pêndulo de Foucault, acerca de planetas, relâmpagos, vírus, estruturas de cristais, solstícios, matéria negra e placas tectónicas, não se limitou a recorrer a uma instrumentação invulgar e deliberadamente desenhada para elas (gameleste – um híbrido de gamelãs e celeste –, bobina de Tesla, órgão digital de tubos, harpas pendulares, "sharpsicord"): explorando as possibilidades do suporte iPad para o qual foi pensado, Biophilia incluía igualmente um potencial virtualmente inesgotável de jogos, animações, alegorias visuais, partituras (convencionais e contemporâneas) e aplicações que permitiam ao utilizador modificar os próprios temas. Uma riquíssima ocupação de tempos livres – voluntária ou forçada – com bónus filosófico de especial pertinência actual em “Virus” (“Like a virus needs a body, as soft tissue feeds on blood, some day I'll find you, the urge is here, the perfect match, I adapt, contagious, you open up, say welcome, you fail to resist my crystalline charm, like a virus, patient hunter, I'm waiting for you”), uma metáfora para “relações fatais”: “Algo como ter um novo vizinho com o qual temos de aprender a viver”.
William S Burroughs, em The Ticket That Exploded (1962), anunciara que “language is a virus from outer space”. Um virus em tão perfeita e oculta simbiose com o hospedeiro que este deixara de o identificar como tal, utilizando inconscientemente essa infecção como meio de comunicação e controlo. Burroughs optou por “recortar” a linguagem. Laurie Anderson pegou na ideia e transformou-a em canção - "Language Is a Virus" - que incluiria no magnífico filme/concerto Home Of The Brave (1986) e no CD homónimo.
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