12 March 2019

CAPELAS IMPERFEITAS 


Em 2001, aquando da publicação de Ten New Songs, Leonard Cohen explicava-me o motivo porque não se considerava um poeta: “Sem falsas modéstias, quando nos reconhecemos no interior de uma tradição, temos de nos avaliar em relação a ela. É muito difícil reivindicar o título de poeta. Ser poeta é um veredicto, uma decisão que é lançada por outros sobre nós e, especialmente, por outras gerações. Por isso, nunca me atreveria a considerar-me poeta. Essa é a mais sublime e exaltante descrição da vida e do trabalho de um homem”. E, na suite do hotel parisiense onde estava alojado, acrescentava: “O Serge Gainsbourg costumava beber no bar, ali em baixo. Só o conheci superficialmente. Mas recordo-me de uma entrevista em que lhe perguntavam como era ser poeta e ele respondeu que era apenas um quase-poeta”. Por essa altura, Cohen publicara já seis volumes de poesia e 10 álbuns (a distinção entre canções e poemas seria quase nenhuma: “Uma canção tem de caminhar agilmente de um coração para o outro. Um poema concebido para uma página convida-nos a regressar a ele, a compreendê-lo de forma diferente de cada vez que a ele voltamos”) mas, pouco antes, em "The Leonard Cohen Files", ainda desabafara: “De entre os milhares que são conhecidos ou desejam ser conhecidos como poetas, talvez um ou dois sejam genuínos e os restantes são falsificações, deambulando pelos lugares sagrados, procurando parecer autênticos. Escusado será dizer que eu sou uma das falsificações e esta é a minha história”.

 
Em The Flame – recolha de poemas e fragmentos inéditos iniciada por ele e finalizada, postumamente, pelo filho, Adam, e por Robert Faggen e Alexandra Pleshoyano – se há algo de que não pode ser acusado é de falta de autenticidade: ele que se colocava no polo oposto do “first thought, best thought”, de Allen Ginsberg (“My first thoughts are dull, are prejudiced, are poisonous. I find last thought, best thought”), ele o “lazy bastard living in a suit“ capaz de demorar décadas a concluir uma canção, expõe integralmente as suas capelas imperfeitas: esboços (“I feel ridiculous/ In my grey suit/And my pomaded hair/All groomed for love/While the vermin/Swarm between my thighs”), “first thoughts” (“I think, therefore, I am/Right up there with/Mary had a little lamb”), apontamentos (“Tom Waits singing (…) I can hear him, his music begin,  it is so beautiful and original and sophisticated – so much better than mine”). E um último desejo: “I am trying to finish/My shabby career/With a little truth/In the now and here”. (sequência daqui)

3 comments:

alexandra g. said...

tenhoinvejamasnãovoulavar-comaugasdemalvas :D
___________
(lucky you, gorgeous)

alexandra g. said...

sabes, se alguma vez voltar a casar será esta a chanson:


https://www.youtube.com/watch?v=V4WGsMplGxU

por mor do riso, da alegria, que eu não sou pessoa de Esperança(s :)

João Lisboa said...

Nessa versão, óptima escolha.

:-)