METRALHA
No excelente documentário de Göran Olsson, The Black Power Mixtape 1967–1975 (2011), numa entrevista dada na prisão de Marin County, em 1972 – onde esteve detida 16 meses, em isolamento, por crimes de que acabaria absolvida –, a académica e militante dos direitos cívicos, Angela Davis, à pergunta sobre se aprovava os métodos violentos dos Black Panthers, quase perplexa, responde: “Cresci em Birmingham, no Alabama. Muitos amigos meus foram mortos por bombas colocadas pelos racistas brancos. Era muito pequena mas ainda me recordo do som das bombas a explodirem do outro lado da rua. Bull Connor, o governador da cidade, ia para a rádio fazer declarações como ‘os pretos mudaram-se para um bairro branco, não se admirem se esta noite correr sangue’ e o sangue corria mesmo. E vem, agora, perguntar-me se eu aprovo a violência?... Isso só quer dizer que não faz a menor ideia da violência de que os negros foram vítimas neste país desde o dia em que o primeiro negro foi raptado na costa de África”.
Lee Bains III é branco mas também natural de Birmingham. E, aparentemente, tão assombrado pela história e memórias da cidade quanto o Springsteen inicial pela New Jersey natal. Não é o único ponto de contacto: não haverá algo de matricialmente springsteeniano em chamar-se Lee Bains III + The Glory Fires? E, por exemplo, “The boys demand to know if he’s white or black, and squint into his sun-browned face, framed with black curls of hair, he sighs, and, with his finger, draws sprawling maps of the Middle East into the hot damp heavy air, ‘So, are you white or black?’ His mouth falls open, his eyes trace the patchy skyline, frayed by the evening sun, a green-neon crucifix crowns the steeple where, Sundays, his folks recite prayers in the Lord's dead tongue”, não soa curiosamente familiar e, ao mesmo tempo, indissociável da cidade que, pelos motivos que Angela Davis explica, ficou conhecida por “Bombimgham”? Youth Detention (Nail My Feet Down To The Southside Of Town) é, então, uma devastadora metralha sonora onde coabitam igualmente Clash, Hüsker Dü, R.E.M.,e o Costello que expelia bílis, unidos por uma convicção (“Don’t you tell me, ‘It’s only rock’n’roll’ when I’ve seen it wrestle truths from noise”) e um desígnio: “I don’t want to be a whitewash, I don’t want to be an absence, I don’t want to be the great silence”.
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